Brasília é conhecida pelas áreas verdes e pela quantidade de árvores. Algumas delas são famosas e têm quase a mesma idade que a capital, como uma que está localizada entre as comerciais da 405 e 406 Norte. A planta da espécie fícus é conhecida entre os motoristas, que precisam desviar da estrutura larga, com troncos fortes e raízes visíveis. O que poucos sabem é que o monumento vivo foi plantado em novembro de 1962, por um candango vindo do Espírito Santo.
“Eu fico olhando para ela e admirando. Nunca imaginei a árvore ficar deste tamanho”, conta Argeu Pelanda, 84 anos. A decisão do plantio, segundo ele, teve como base um aprendizado da infância. “Por onde tivesse um lugar na minha vida que eu conseguisse plantar alguma coisa, eu plantava. Quando eu vejo um lote vazio, eu planto. Aprendi com meu pai. Um dia, ele me explicou que, quando ele tinha nascido, havia abacate no mundo, porque alguém tinha plantado. A gente planta para o futuro. Aquilo serviu de exemplo para mim.”
Argeu saiu do interior do Espírito Santo e veio para Brasília em 1958 em busca de trabalho. Os conhecimentos adquiridos com o pai o ajudaram nos primeiros anos na capital. Ele fez de tudo um pouco: montou mesas, caixões, fez portais, montou máquinas, subiu casas, fez carroceria de caminhões e... plantou árvores. À época, quando perguntado se sabia fazer alguma coisa, ele logo respondia: “Se a gente combinar, eu faço, eu me adapto”.
O candango morou em diversas regiões do Distrito Federal, entre elas, Sobradinho, Núcleo Bandeirante e Guará. Mas foi na Asa Norte, na 406, que ele resolveu deixar um legado para as gerações futuras. “Eu morava com um casal que praticamente tinha me adotado como filho. A dona da casa tinha dois jarros grandes, cada um com uma árvore. Mas a planta estava pegando no teto e caía muita folha. Então, ela me pediu para tirá-las dos jarros”, relata. Com um enxadão, Argeu plantou as fícus na quadra. Uma embaixo do bloco, próximo ao local onde hoje funciona o Sebinho, e a outra perto de um antigo ponto de ônibus. “Naquela época, era tudo mato, não tinha nada. Quando fui plantar, me falaram que não iriam construir na área”, lembra.
Muita coisa aconteceu depois de 57 anos. Argeu nunca imaginou que a árvore ficaria tão grande. A pedido do Correio, o aposentado voltou para visitar as plantas que antigamente eram pequenas e cabiam dentro de um apartamento. O semeador observa, de todos os ângulos, cada detalhe — galhos, troncos largos e raízes visíveis. Por fim, exclama: “Impressionante o tamanho que ficaram”.
Coragem
Argeu Pelanda era o único filho homem entre seis irmãs. Começou a trabalhar ainda pequeno, aos 9 anos. Certo dia, aos 19, decidiu buscar outro meio de trabalho e se mudou para Colatina (ES), cidade próxima à capital capixaba, Vitória, para mexer com máquinas. Em uma das visitas à família, ele conheceu Brasília por meio das telonas.
“Para vê-los (a família), eu tinha que parar em Vitória, porque naquela época o meio de transporte era apenas trem. Eu chegava à cidade à noite e depois tinha que esperar para seguir a viagem no dia seguinte. Nesse intervalo, decidi ir ao cinema. Antes do filme, passou uma propaganda de Brasília, mostrando o início da cidade. Eu pensei assim: ‘Se estou atrás de trabalho, vou me dar bem indo para um lugar onde estão fazendo uma capital nova, porque lá deve precisar de tudo’. Então, decidi embarcar nessa aventura”, recorda.
No início, a capital era apenas poeira, cheia de construções e sem energia elétrica. A coragem foi o que trouxe Argeu: “Eu não tinha medo de nada, nem de passar fome”. Trabalho não faltou para o candango. Os conhecimentos de marcenaria e carpintaria lhe possibilitaram atuar em diversas áreas. Quando não sabia fazer alguma coisa, aprendia. Foi assim que o obreiro entrou para o comércio, vendendo material de construção.
Depois de alguns anos na profissão, o destino trouxe outra oportunidade de atuação de forma inusitada. A história começou quando um conhecido pediu ajuda a Argeu para subir um cofre de três toneladas que havia vendido para um mercado na W3 Sul. “A estratégia foi colocar uma talha nas escadas e usar um carrinho de mão para levar o cofre”, explica.
A empreitada deu certo e foi vista por um dos diretores de obra do GDF. “Ele me convidou para fazer um concurso da Sociedade de Abastecimento de Brasília (SAB) e, três dias depois, me chamaram. Trabalhei durante 35 anos”, conta. Criada em 1962 para suprir o mercado varejista do Distrito Federal, a SAB foi extinta oficialmente em 2002. O candango começou como ajudante. “Fui encarregado de depósito, encarregado geral, subgerente, gerente e depois fui requisitado para o Palácio do Planalto, onde trabalhei durante quase quatro anos”, detalha.
No mercado em que trabalhou, na 406 Sul, conheceu a mulher que viria a ser sua esposa. Maria do Perpétuo Socorro chamou a atenção do gerente por levar a vida sempre de bom humor. Tiveram cinco filhos, oito netos e um bisneto: “Para um cara que saiu de casa sem instrução, sem nada, conseguir formar uma família bonita e conseguir ter casa… É uma vitória”.