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Pirulito veio para Brasília em 1984, para ser ator de novelas, mas ficou para a posteridade como um dos personagens mais famosos do DF
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“Do Gama para o Brasil e para o mundo”. Essa era a frase que o famoso Palhaço Pirulito costumava dizer por onde passava. A vontade de tornar-se conhecido e estar onde ficavam os holofotes era grande, o maior sonho era fazer novela, no entanto, o destino traçado foi outro. Ele pode não ter percorrido muitos lugares, como queria, mas fez história no Distrito Federal, principalmente no Gama, onde morou desde que chegou na capital, em 1984. Na manhã de ontem, José dos Santos Cavalcanti, a figura por trás do personagem, morreu, aos 54 anos, após sofrer uma parada cardiorrespiratória. Ele estava internado no Hospital Regional do Gama (HRG) desde 18 de julho, quando teve um derrame e precisou ser socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
Em nota oficial, emitida pela Secretaria de Saúde, a direção do HRG lamentou a morte do palhaço e disse que ele deu entrada à unidade com pico glicêmico, pressão alta e sinais de Acidente Vascular Cerebral (AVC) e recebeu todos os cuidados necessários. No entanto, na madrugada de ontem, José sofreu uma parada cardíaca e foram feitas manobras de reanimação, mas ele não resistiu. O óbito foi confirmado às 6h18. Em sua última entrevista ao Correio, na terça-feira, por telefone, Pirulito contou que começou sentir dormências nas pernas e nos braços e a visão ficou turva. Mesmo com dificuldades para falar, a voz estava alegre e dizia que acreditava na rápida recuperação.
Nascido em São Rafael (RN), José mudou-se para Goiás com a família. Em 1984 decidiu desembarcar em Brasília, sozinho, em busca do sonho de trabalhar em novelas. Mas, a vida lhe deu outro rumo. Ele apresentava-se em escolas e praças públicas. Apesar do personagem ser um palhaço, José nunca trabalhou em circo. Encontrou na caracterização uma forma de chamar atenção das crianças, já que vendia picolé, algodão-doce e estalinhos, na rua. Depois, passou a comercializar os produtos nos jogos do Gama, time de futebol que ganhou seu coração e do qual acabou se tornando o símbolo.
Desde que chegou à capital, viveu em um quarto de aluguel, no Gama. No imóvel havia uma cama, uma geladeira, um rádio e as roupas. “Ele sempre teve uma vida simples e solitária. Mas, era uma pessoa muito querida por todos. Tinha o costume de se alimentar nos quiosques da rua, não possuia fogão em casa. A relação com a família era bem distante, tanto que nem falava tanto dela. Era um homem muito trabalhador”, declarou o publicitário Francisco Sales, 50, um dos primeiros amigos de Pirulito no DF.
Francisco conta que sempre tentou ajudar o palhaço por meio de vaquinhas e campanhas de arrecadação de dinheiro. A primeira ocorreu em 2012, quando Pirulito sofreu um grave acidente e teve 30% do corpo queimado. “Ele ficou impossibilitado de trabalhar e fiz uma campanha arrecadando dinheiro para ele pagar o aluguel. Logo, recuperou-se. Depois, ele teve um AVC, e fizemos outra campanha. Agora, com a pandemia, a proibição do comércio de rua e as escolas fechadas, ele começou a dever o aluguel. Começamos uma nova campanha para ajudar”, lembra o amigo. Em uma de suas últimas aparições nas redes sociais, Pirulito fez um vídeo pedindo ajuda.
Homenagem
A morte do famoso palhaço causou comoção nas redes sociais. O perfil do personagem está recheado de homenagens e despedidas carinhosas. Em uma publicação no Facebook, a Administração Regional do Gama disse que a cidade amanheceu triste: “Perdemos um dos nossos ícones, nesta madrugada, o Palhaço Pirulito. Só temos a agradecer pela alegria contagiante que proporcionou a nossa comunidade”.
O ex-governador do Distrito Federal Rodrigo Rollemberg usou seus perfis pessoais para homenagear o palhaço e publicou uma foto antiga com Pirulito. “Divertia a cidade e adoçava a vida com sua presença e seus algodões-doces. Que Deus conforte sua família e seus amigos”, desejou.
Nas páginas de Pirulito, fãs e amigos deixaram várias mensagens. “Só quem é cria do Gama sabe a dor que estamos sentindo”, diz uma delas. Outra agradece o palhaço pela alegria que espalhava pela cidade. “Hoje, o céu está mais feliz com o nosso palhacinho do coração, que decidiu partir para os braços do Senhor. Hoje, o céu do Gama terá balões, algodão-doce e estalos de alegria”.
Para o rapper Ademir Cardoso, conhecido como Loomy MC, o palhaço continua representando a cultura e a resistência da arte. “Sempre estava pronto para se apresentar, para públicos grandes ou pequenos. O importante era tirar sorrisos. Mesmo desvalorizado pelas instituições públicas, mesmo faltando convites, ele resistia na arte, se apresentando nas ruas. Ele continua vivo na memória e no coração de cada um”, declarou.
Os milhares de fãs do Palhaço Pirulito poderão se despedir, hoje, em um cortejo no carro do Corpo de Bombeiros, em homenagem à representatividade dele no DF. A concentração será em frente ao estádio Bezerrão, no Gama, e, às 7h, percorrerá as principais vias da cidade. Em seguida, a pedido da família, o corpo será levado para Abadia de Goiás, onde será velado e sepultado.
Balões em chamas
Na manhã de 9 de setembro de 2012, o Palhaço Pirulito sofreu um grave acidente quando voltava de uma apresentação em Santa Maria, por volta das 11h30. Na entrada do Gama, os balões de gás hélio que estavam dentro da Kombi começaram a pegar fogo. Assustado, o palhaço se jogou na rua com o veículo em movimento para tentar escapar, mas as chamas o atingiram nos braços e na cabeça. Ele teve 30% do corpo queimado.
Amigo dos presidentes
» Os amigos mais próximos dizem que o Palhaço Pirulito gostava dos flashs. Era conhecido por várias figuras políticas e, até recentemente, participava de manifestações na Esplanada dos Ministérios. “Era o famoso papagaio de pirata”, brinca Francisco Sales. “Os presidentes o conheciam. Ele costumava ir ao Palácio do Planalto e tirava foto com eles”, completa. Uma das imagens tornou-se capa de um dos livro do chargista Chico Caruso, intitulado Itamar: modo de usar. Pirulito aparecia com o ex-presidente Itamar Franco na rampa do Planalto.