A índia Daniele Paumari, de 16 anos, abre o sorriso quando fala do pirarucu. Na aldeia em que mora, em meio à Amazônia, o nobre peixe que pode passar dos 200 quilos é motivo de orgulho: é graças a essa espécie que o povo Paumari vê a chance de melhorar sua qualidade de vida e, ao mesmo tempo, garantir o equilíbrio ecológico da floresta. Eles conseguem isso a partir domanejo sustentável — só pescam em outubro e retiram no máximo 30% do total de peixes. E nada de cativeiro: o pirarucu é inteiramente selvagem.
É com olhar atento que a coordenadora do Programa de Manejo de Pesca do Instituto Mamirauá, Ana Cláudia Torres, abre o caminho para esse trabalho. Aos 38 anos, a amazonense filha de pescadores é mestre em Ciências Humanas e, com uma grande equipe, ajuda a aliar conhecimentos tradicionais de indígenas, quilombolas e ribeirinhos a técnicas científicas. Foi o Mamirauá que instituiu o manejo na Região Amazônica, 20 anos atrás.
Nas mãos da chef carioca Bianca Barbosa, de 34 anos, o peixe trazido à superfície pelos Paumari será transformado em pratos servidos no Aconchego Carioca e no Manda!, seu novo projeto. Uma receita já foi definida: sanduíche de pirarucu defumado no melado de cana.
Daniele, Ana Cláudia e Bianca representam três importantes elos de uma cadeia que liga a Amazônia ao Rio: as comunidades que pescam pirarucu de forma sustentável e legalizada; o corpo técnico que assegura a qualidade dessa pesca; e a gastronomia carioca, que começa a explorar a iguaria que — garantem os chefs — é melhor do que os estrangeiros salmão e bacalhau.
Esses três elos se cruzaram durante uma expedição amazônica no início deste mês. Nove chefs do Rio embarcaram em uma viagem de 36 horas de barco para chegar ao território indígena Paumari, uma das comunidades que manejam o pirarucu. A viagem foi uma das etapas do projeto “Gosto da Amazônia", iniciativa para ampliar o mercado do pirarucu selvagem e legal no Brasil, começando pelo Rio. Aliás, por aqui, a única peixaria que distribui esse pescado oriundo do manejo sustentável é a Só Peixe (2502-7885), na Cidade Nova.
O “Gosto da Amazônia" é uma parceria entre as instituições envolvidas no manejo, o Instituto Maniva — que reúne ecochefs — e o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio (SindRio).
“Cozinhar é um ato político”, resume a chef Teresa Corção, que é presidente e fundadora do Maniva. “Trata-se, acima de tudo, de demonstrar respeito por quem está por trás do alimento. Quando você escolhe o produto que entra no restaurante, você puxa uma cadeia de mercado enorme”, diz ela.
Se, na década de 1990, o pirarucu estava ameaçado de extinção por causa da pesca predatória, agora sua população chega a 10 mil apenas nas terras Paumari. Tudo graças ao manejo, que tem por trás o Instituto Chico Mendes (ICMBio), e à vigilância que os povos tradicionais fazem do território para impedir que outras pessoas pesquem de forma ilegal. E, como essa espécie de peixe é considerada um “guarda-chuva” para outros animais, o aumento da sua população fez crescer também o número de tartarugas, peixes-boi e outras espécies.
Além de Teresa, que comanda o restaurante O Navegador, foram à Amazônia os chefs Ana Pedrosa, Ana Ribeiro (ambas chefs consultoras), a já citada Bianca Barbosa, Andressa Cabral (Meza Bar), Frédéric Monnier (chef embaixador da comida francesa no Senac), Jéssica Trindade (Chez Claude), Marcelo Barcellos (Barsa) e Ricardo Lapeyre (Laguiole Lab).
Na viagem, o grupo provou o peixe feito pelos indígenas e cozinhou um banquetaço para a aldeia. Prepararam a iguaria com arroz, em tiraditos, ensopado e assado na folha de bananeira.
“O pirarucu é versátil e fácil de consumir: eu defino como um cherne de água doce sem gosto de terra”, destaca Marcelo Barcellos, que já adianta um novo prato do menu do Barsa, no Cadeg: moqueca de pirarucu. É nessa linha também que aposta Teresa, ao incluir em O Navegador, no Centro, uma moqueca do peixe com pirão de tucupi. Já no Meza Bar, em Botafogo, Andressa introduzirá o pirarucu defumado com purê de banana.
Outros chefs estão agora terminando os testes para bater o martelo sobre qual receita incluir, mas todos servirão aos clientes pratos com pirarucu, e já definiram onde serão os festejos em torno da chegada do gigante amazônico: no Rio Gastronomia, que acontece de 16 a 25 de agosto, no Píer Mauá. Lá, haverá um quiosque especializado em receitas de pirarucu e uma barraca de itens amazônicos na feira de produtores.
A repórter viajou a convite da Operação Amazônia Nativa (Opan) e do Projeto Cadeias de Valor Sustentáveis (USFS/ICMBio).
RECEITAS COM PIRARUCU
Arroz de pirarucu
INGREDIENTES
1 quilo de arroz
1 quilo de pirarucu seco dessalgado
1/2 litro de leite de castanha
3 cebolas médias
100g de gengibre
50g de alho
120g de castanha de cajú
30ml de óleo de soja
Sal a gosto
40g de pimenta de cheiro1/2 cebolinha
4 folhas de louro
Mix de especiarias
Caldo de peixe
Chicória do norte
MODO DE PREPARO
Bater no liquidificador o leite de castanha, gengibre, cebola, alho e as castanhas de cajú. Reservar.
Refogar o arroz com cebola picada, louro e óleo.
Cobrir com o caldo de peixe e deixar cozido ao dente.
Aquecer o creme de castanha em uma panela, juntar o peixe e as pimentas picadas, o mix de especiarias e deixar ferver.
Juntar o arroz para terminar a cocção e finalizar com a cebolinha e a chicória do norte.
Verificar o sal e servir bem caldoso e quente.
Tiradito de pirarucu
INGREDIENTES
1 quilo de lombo de pirarucu
Para o molho:
2 colheres de sopa de tucupi
Suco de 5 limões
1 colher de chá de sal do himalaya
6 pimentas frescas variada (cortadas em cubinhos bem pequenos)
Folhas de coentro, sem o talo central e cortada bem fina.
4 colheres de sopa de leite de castanha
1 cebola roxa pequena
Pitada de açúcar
MODO DE PREPARO
Cortar o lombo verticalmente em fatias de 1cm de espessura, como se fosse para sashimi.
Reservar na geladeira.Misturar com o molho e colocar o peixe para marinar por 2 horas.
Ensopado de pirarucu
INGREDIENTES
1 quilo de lombo de pirarucu cortado em cubos médios
1,5 l de leite de castanha
250g de tomate
20g de alho
200g de cebola
Sal a gosto
2 colheres de chá de aneto
2 pimentas de cheiro
1 molho de cebolinha
1 colher de chá de coloral
Azeite
50g de hadock
MODO DE PREPARO
Numa panela refogar no azeite o tomate, a cebola, o alho, coloral, pimenta de cheiro, o aneto.
Juntar o leite de castanha, deixar ferver para incorporar os temperos, acrescentar o peixe e cozinhar por 10 minutos.
Colocar a cebolinha e servir.