Mariana Machado
Cézar Feitoza
Especiais para o Correio
Ester Cezar*
Thiago Cotrim*
Publicação: 06/01/2019 04:00
Em várias quadras do Guará, a brincadeira toma conta das ruas durante as férias
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Férias de verão, céu azul, sol brilhando e um vento refrescante. Cenário ideal para uma atividade que faz a alegria da criançada (e de muita gente grande também): empinar pipa. Em janeiro, locais como o Taguaparque, as praças do Guará e os descampados em Ceilândia são os preferidos dos brasilienses, graças aos grandes espaços abertos.
Na tarde de ontem, por exemplo, cerca de 50 pessoas, entre crianças, jovens e adultos, empinavam pipas próximo ao Centro Cultural Taguaparque. Acompanhado dos amigos e do primo, Eduardo Oliveira Gualhano, 13 anos, era um deles. Ele aprendeu sozinho a arte de empinar pipa. “Eu me sinto melhor do que fazendo outras coisas. Fico mais tranquilo, menos bravo, e acho melhor do que assistir a tevê ou mexer no celular”, comentou.
O colega de brincadeira Gabriel Henrique Cordeiro, 12, dava dicas sobre horários e tempo na hora de empinar o brinquedo. “Um horário bom pra soltar é a partir das 16h, porque não tem vento demais nem de menos. Também é o horário em que o sol não está tão forte e não fica atrapalhando a visão”, explicou. “Para fazer uma pipa, é fácil: só precisa de vareta e linha pura. Eu gosto das minhas com rabiola, porque fica melhor de dibicar”, completou.
O sushiman Filipe Oliveira Rodrigues, 28, usa os horários livres no trabalho para soltar o papagaio no Taguaparque. “Estou em horário de almoço, mas nem almocei, vim direto pra cá”, contou. Segurando uma carretilha de madeira para enrolar a linha da pipa, ele explica por que prefere esse modelo à tradicional latinha. “A carretilha é melhor porque desenrola mais rápido”, comentou.
Negócio
Na QI 9 do Guará 1, a febre é tão grande que o hobby virou negócio. Em um portão branco, uma faixa anuncia: casa da pipa. É onde mora Alessandro Oliveira, de 37 anos. Ele solta pipa há mais de 20 anos. “Na minha família, é tradição. A gente combina o dia de reunião SP (soltar pipa)”, ri. Há cerca de cinco meses, ele perdeu o emprego de motorista em um dos ministérios da Esplanada, então, para conseguir uma renda, aproveitou o período de férias escolares para vender pipas.
A parede da garagem virou mural dos produtos que variam de R$ 2 a R$ 5, mas ele faz descontos. “O menino chega aqui faltando 50 centavos. Não vou perder o cliente por causa disso. Às vezes, falta até mais e eu vendo”, afirmou. A maioria ele compra pronta no Rio de Janeiro, mas, quando pedem, ele também faz do zero. “Um amigo meu foi para o Rio e eu encomendei com ele. Eram 5 mil, agora restam umas 2 mil para vender até o começo de fevereiro”, contou.
Saúde
Segundo o professor Hartmut Gunther, doutor em psicologia e docente da Universidade de Brasília (UnB), o lazer em ambiente fechado também pode trazer benefícios, mas, em sua visão, as atividades em locais abertos são mais saudáveis. “As coisas não têm um tom tão preto e branco. As brincadeiras ao ar livre são importantes, pois auxiliam as interações sociais, o desenvolvimento psíquico e a saúde das crianças”, ressalta o professor.
A neuropsicóloga Ana Cristina Gabeto diz que, por meio das brincadeiras, as crianças conseguem expressar o que estão sentindo. No seu ponto de vista, o problema é colocar a tecnologia em primeiro plano, de forma excessiva. “As crianças que se divertem através dos meios eletrônicos conseguem desenvolver uma capacidade de memória muito boa, são mais otimistas e possuem um senso de planejamento apurado, porque precisam desses atributos para se dar bem nos jogos eletrônicos”.
Glossário
Conheça algumas gírias dos pipeiros:
Dibicar: movimento feito com uma ou duas mãos em que se puxa a linha para que a pipa suba no ar
Afundar: manobra feita para descer a pipa no ar
Arrastar/De lado: empurrar a pipa de outra pessoa para o lado
Guerrear: cortar a linha da pipa de outra pessoa
Perigoso e proibido
O que não é legal na brincadeira é o cerol, pasta que mistura vidro triturado e cola. Em alguns casos, metal triturado. Ele é usado para cortar a linha das pipas de outras pessoas e tomá-las para si. No entanto, o uso e a venda da pasta são proibidos por uma lei distrital desde o ano passado (Lei nº 6.185/2018). A multa pode chegar a R$ 1 mil e o estabelecimento que for reincidente no comércio do cerol é interditado.