Quinta-feira passada no café da manhã do hotel em João Pessoa, um lugar de pouco espaço entre os móveis, um garotinho aparentando seus cinco anos corria desembestado – como diria o povo lá de nós – entre as cadeiras repletas de turistas vindos em uma caravana do Sul.
O pai, sentado à mesa com a mãe, apenas reclamava de leve quando o menino passava próximo de onde estavam, chamando-o pelo nome:
– Heitor!
Depois dizia sem ser ouvido pelo filho um “você cai” meio sem graça.
Do meu canto eu ficava vendo o menino “tirar fino” nas mesas, nas pessoas e na ilha de comidas expostas, esperando só o grito de alguém e torcendo para ninguém se machucar. Torcer era tudo que podia fazer.
Uma senhora levantou-se no corredor central. Nas mãos uma xícara e um prato.
Não deu tempo de desviar. Na carreira que vinha o menino bateu na lateral do seu corpo. Xícara e pratos no chão. Por sorte a senhora foi amparada por alguém.
– Heitor!
O pai se levantou e agarrou a criança brutalmente pelos braços.
– Não se levante mais daí – vociferou jogando literalmente o filho numa cadeira. – Está me ouvindo? – perguntou irritado.
A esposa se limitou em dizer que havia avisado.
Eu fiquei pensando por que ele não tomaram uma atitude antes?
Heitor ficou sentado ao meu lado direito, com os olhos marejando.
Lembrei-me dos meus dois netos. Especialmente de Levi, com quem o menino do hotel guarda certa semelhança.
Fiquei pensando que aquela criança não tem nenhuma culpa do despreparo dos pais. Talvez sua desobediência seja apenas “um produto do meio”. Bateu um dó em mim…
– Oi, Heitor – puxei assunto.
Ele me olhou desconfiado e voltou-se ao pai, como se quisesse dizer “esse desconhecido está falando comigo”.
– Fala com o tio – compreendeu o pai.
– Oi! Eu sou o Heitor – ele respondeu com os olhos ainda muchos de vergonha.
– Seu nome é bonito. O meu também é.
– Como o tio se chama? – Quis saber.
– É um segredo. Se eu lhe contar promete não falar para ninguém? – aticei sua curiosidade.
– Prometo! – respondeu já se animando com “o segredo” e esquecendo o ocorrido.
Olhei para os seus braços. Estavam vermelhos. As marcas dos dedos do pai em sua pele branquinha.
– Promete mesmo?
– Sim!
O sim dele já veio recheado por aquela ansiedade própria das crianças.
Então. Eu me voltei para o seu lado, inclinei meu tronco e falei arregalando um pouco os meus olhos, como se revelasse algo muito importante:
– Peter Parker.
– Ô pai, o tio é o Homem Aranha! – Seu grito ecoou pelo restaurante. – O Homem Aranha, pai!
– Ssiu! Não fale alto, Heitor. O Duende Verde pode estar aqui – pedi pondo meu indicador nos lábios.
– Certo. Certo!
– Agora somos amigos – falei com a mão fechada para ele bater.
Seus olhos já eram todo alegria.
Eu amo fazer essa brincadeira do Homem Aranha com crianças.
E Heitor comeu sentado, educadamente e sem mais contratempos.
À noite o pai de Heitor me revelaria que ele passou o dia todo pedindo segredo às pessoas, e confessando quase cochichando:
– Eu sou amigo do Homem Aranha.