Campanha contra o preconceito racial
A luz do dia vai sumindo, tal qual a água que se esconde na areia do deserto. Rápido, muito rápido.
O vento forte traz consigo a penumbra aliada ao anúncio da escuridão noturna. Escurece, e estamos juntos, um ao lado do outro. Estamos misturados numa situação em que só a tua cabeça preconceituosa guardou a diferença – a diferença da tonalidade da nossa tez.
Por segundos, minutos e horas, a cor da nossa pele é a mesma – como na realidade é e sempre deveria ser. Nem era necessária a chegada da penumbra para ficarmos iguais. Apenas um coração bom e uma sensatez bastariam.
Passam segundos, passam minutos e passam horas – a penumbra desaparece e leva junto o teu raciocínio e a tua humildade. Tua cabeça volta para a mesmice e tua sensibilidade se transforma em pedra. Voltas ao teu status quo – ele é teu. Tu és tu – e serão necessárias muitas noites transformadas em penumbra, para perceberes que temos a mesma tez. A mesma cor.
As nossas diferenças estão apenas no caráter. Não na cor da tez. Nessa particularidade, nenhum vento forte tangerá a penumbra que habita em ti. Infelizmente.
Que Deus (todo poderoso – aquele mesmo a quem recorres nos desesperos) te tire definitivamente da penumbra.
Chegou o jogo!
O caminhão que transporta a delegação do futebol
Domingo, em qualquer lugar de qualquer Estado deste Brasil. Sol a pino, entre 13 e 14 horas e alguns ainda dormem a sesta vespertina para compensar e tentar recuperar as energias perdidas na semana de trabalho.
De repente, em som quase total, escuta-se:
– Chegou o jogo!
O jogo nada mais é que um caminhão velho (que não consegue trafegar por mais de duas horas – o motor esquenta, a gasolina acaba ou o carburador esquenta além da conta, e enguiça – prega, para alguns) repleto de jovens pretenso jogadores e uma grande maioria na meia idade. É o cumprimento de uma partida amistosa de futebol – futebol dos bairros, onde apenas a diversão é o lucro.
São mais de 50 pessoas que formam as duas equipes. O segundo quadro, que vai “esfriar o sol”, manter a forma de alguns gorduchos e iniciar a caminhada de alguns ainda imberbes. O placar do jogo é o que menos importa – isso faz parte do acordo entre os diretores dos dois clubes.
É uma diversão total. Alguns jogadores, por não possuírem chuteiras, acabam jogando descalços mesmo. Ao final da partida, as marcas estão nas canelas. Mas tudo vale à pena.
Vai entrar em campo o “primeiro” time. Pelado ainda não chegou (perdeu o caminhão e está vindo de moto táxi); Gerson foi acompanhar uma cirurgia de um parente no hospital; Edilson, que é evangélico, preferiu orar com os irmãos por uma vitória do time; e o goleiro Everaldo torceu o tornozelo e não tem condição de jogar. A onzena precisa ser completada com alguns meninos que já jogaram no “segundo” quadro.
É assim o futebol que apaixona e permite a iniciação de muitos que viram ídolos. Em anexo, o caminhão que transportou a delegação do Jaguacetuba Futebol Clube.
As muitas BR-3 – todas nossas
Br-3
Fim de tarde, quase noite – o sudeste brasileiro fervilhava no dia 31 de março de 1964, pois vivia “in loco” o “fato” que se aproximava. As demais regiões ainda desconheciam a mudança que nos aprisionou por muitos e muitos anos. Explodiu tudo ao amanhecer – e poucos acreditavam (pela falta de seriedade que se vive no País) por se tratar do dia 1 de abril.
Mas a verdade chegou. Foi um baque. Estado de sítio – nem entra nem sai (como é até hoje, alguns que tinham condições de sair, saíam sem dizer até logo – e hoje vivem enganando, curtindo de heróis) e muitos que não saíram acabaram desaparecendo. Até hoje estão desaparecidos. É verdade que muitos viraram concreto numa determinada ponte de mais de 14 quilômetros.
Vieram os protestos. Protestos inteligentes, pensados e postos em prática por pessoas inteligentes – não os idiotas de hoje. Um deles foi o Festival Internacional da Canção. Protesto inteligente e pacífico, exortando à reflexão e às necessidades de ações inteligentes, porque “o inimigo” nunca foi o que se pensa até hoje. O inimigo também era competente e tinha um bem montado serviço de inteligência, sem contar com os X9s – entre os quais havia um, que hoje “tira onda” de Deus.
A seguir, um pouco da fala, a letra da música e o áudio da música-protesto campeã daquele FIC de 1970 – quando éramos pouco mais de 70 milhões.
É verdade que, desde a fuga de casa, aos 11 anos, Tony não fez outra coisa senão aproveitar cada oportunidade que a vida lhe ofereceu. Foi engraxate, paraquedista no Exército, cover de rockeiros e até cafetão no Harlem, nos Estados Unidos. Mas a real mudança veio em 1970, quando participou do Festival Internacional da Canção e saiu vencedor, ao lado do Trio Ternura, com a canção BR-3, de autoria dos compositores Tibério Gaspar e Antônio Adolfo.
“É o hino. É um marco. É a estrada da vida. ‘A gente corre e a gente morre na BR-3’”, repete a letra. Tony reafirma que a música tratava apenas do perigo da rodovia, atualmente BR-040, que liga Minas Gerais ao Rio de Janeiro. Uma história circulou na época e acabou virando lenda: ‘BR-3’ seria a terceira veia, e ‘Jesus Cristo feito em aço’ a agulha, referindo-se à aplicação de heroína. “Coisa dos militares. Estavam desesperados”, explica Tornado.