PENETRAS NAS ESPESSURAS - 1863
Júlio Dinis
1863
«Penetra nas espessuras,
Nesses retiros aonde
A flor silvestre se esconde
Para sozinha florir.
Dá-lhe o calor dos teus raios,
Desperta-a do fatal sono
Em que as nebrinas do Outono
Já a faziam dormir…»
«Dai-me do campo as mais festivas flores,
Não as quero saudosas;
Quero-as alegres, de risonhas cores,
Como os cravos e as rosas.
«Deixemos a violeta, essa morena
Habitante das relvas.
A delicada, a pálida açucena,
Deixemo-la nas selvas.
«Uma é negra, traz vestes de tristeza, Vem de luto trajada;
Outra, lembra nas cores da pureza, Virgem inanimada.
«Não as quero, que podem essas flores
Renovar na memória,
As mal curadas, as pungentes dores,
Duma recente história.
«O caminho da existência
É então grato e florido.
Ai ! Bem fácil é o olvido
De tudo o que a alma sofreu !
Como à roseira da várzea
Que todo o ano floresce,
A cada flor que fenece
Uma outra flor sucedeu.
«Uma outra flor, e mais bela
E cada vez mais viçosa.
Uma outra flor, outra rosa,
Ou antes, outra ilusão.
Nunca, nunca o desalento
Extingue o fogo sagrado
Que arde no altar consagrado
Que se chama o coração.»
«A saudade, a irmã bem-vinda, À noite, às horas
quietas,
Em que amantes e poetas Livre curso à mente dão ; A virgem pálida
e triste, De branda melancolia,
Que as penas nos alivia, Que nos mitiga a paixão!
«Tens ao teu lado a saudade Falando-te em voz dolente. Duma memória
recente,
Duma luz que se apagou… Luz que tomaste por guia Para termo da viagem;
Mas que o sopro duma aragem, Brandas, apenas, apagou.»
«Veste-se a planta de flores Quando a Primavera assoma; E a espessura
de verdores
• Perfuma com seu aroma.
«Mas nem sempre a mesma vida
Transluz nas flores abertas;
Uma seiva empobrecida
Só lhes dá cores incertas.
«Todos os anos floresce, Ao despertar este dia,
A planta que, ignota, cresce, Da minha pobre poesia.
«Porém, desta vez, roçada Do mal, pela mão funesta,
Uma flor só, desmaiada, Abriu para a tua festa.
«Mas seja o tributo pago, Embora com pobre oferta; Essa mesma aí
a trago, Desbotada e mal aberta.»