Raimundo Floriano
Pedro Silva e seu amigo violão
Pedro Albuquerque e Silva, o Pedro Silva, meu irmão, nasceu em Balsas (MA), no dia 13 de novembro de 1922. Filho de Emigdio Rosa e Silva, o Rosa Ribeiro, e Maria de Albuquerque e Silva, a Maria Bezerra, é o primeiro varão e segundo de uma prole de dez, da qual eu sou o sétimo.
Completando 92 anos em novembro próximo, pode-se afirmar que este sertanejo é, depois de tudo, um forte, eis que continua em plena atividade, fazendo tudo de que gosta, como se tantos anos não lhe pesassem nas costas. É nosso herói!
A seguir, a fotografia mais antiga da família, batida em 1929:
Rosa Ribeiro, Maria Bezerra,
José, Pedro Maria Isaura e Maria Alice
Passou toda sua infância em Balsas, levando vida sadia e cheia de peripécias e traquinagens, como de todo menino do sertão. Já nesse tempo, começou a aprender a “bater” o violão, ou seja, acompanhar-se cantando, Arte que o acompanha desde antes, agora e sempre.
Aprendeu as primeiras letras e concluiu o Curso Primário nas escolas da Dra. Maria Justina, Melquíades Moreira Ferraz, Dr. Domingos Tertuliano e Educandário Coelho Neto, do Professor Joca Rêgo. Em Teresina, foi aprovado no Exame de Admissão para o Liceu Piauiense, onde cursou o Ginasial, após o qual, naquele primeiro quarto do Século XX, se considerou preparado para o exercício de sua verdadeira vocação: a atividade comercial.
Voltando para Balsas, começou a trabalhar como caixeiro na loja de José de Sousa e Silva, nosso Tio Cazuza Ribeiro, atendendo os fregueses no balcão. Tio Cazuza, vendo sua habilidade e tino para o comércio, designou-o para viajar pela Região Tocantina, para comprar gêneros de exportação - couros, peles silvestres, produção agrícola – e vender sal a comerciantes e fazendeiros. Era responsabilidade imensa para um adolescente naquelas plagas.
Lembro-me bem da chegada dele de uma dessas viagens. Trouxe uma lata, tipo de leite em pó, cheia de moedas de valores diversos, chamou os irmãos mais novos, derramou o dinheiro na mesa de jantar e mandou que fôssemos pegando, um de cada vez, em rodízio. Eu, por exemplo, só escolhia os patacões. Já o Bergonsil traquejado, primeiro olhava o valor, para pegar as dele. Essas atitudes de bom irmão faziam com que nós, os menores, o chamássemos de padrinho – Padim Pêdo –, numa espécie de sadio puxa-saquismo familiar.
Depois de um certo tempo, trabalhou, por conta própria, nos garimpos cristal de rocha em Xambioá, Piaus e Dois Irmãos, região ainda goiana, onde contraiu impaludismo, difícil de ser curado. Com a ajuda de Deus venceu essa moléstia assaz ceifadora.
Em 1945, aos 23 anos de idade, abriu uma casa comercial em Miracema, em sociedade com o Tio Cazuza, vendendo produtos industrializados e comprando as matérias-primas produzidas na cidade e em suas imediações. Nas horas vagas, o violão e a seresta eram seu lazer.
Pedro tinha um dom inato, que nele aflorou desde o tempo de rapazinho. Para discorrer sobre isso, mostro-lhes duas fotografias dele na juventude:
Pedro Silva no tempo de rapaz solteiro
Como viram, era um sertanejo comum, sem nada de especial a não ser o dom acima citado: um visgo para atrair o sexo feminino. Quem o conhecia ficava perplexo, abismado, já não digo invejoso. Onde quer que chegasse, as pequenas choviam-lhe em profusão. Nem precisava que ele se esforçasse. Galante e dançarino de primeira, era o preferido nos salões. Houve até um amigo seu que um dia lhe falou: – Pedro Silva, não sei o que há com minha namorada. Quando dança comigo, é toda durona, sem jeito, parece que engoliu uma alavanca. Mas quando tu tiras ela pra dançar, aí a coisa muda de figura! Fica toda mole, se requebrando, se rindo, parece até que tá no céu! Por que será?
Se eu estivesse por perto, na ocasião, teria explicado: – É o visgo, rapaz, é o visgo! –, porque Pedro Silva era o verdadeiro Porta-Estandarte do Amor.
Em termos de namoro, não precisava se mexer. Era como o Mar Oceano, para onde correm todos os rios. Era como o Sol, a atrair os astros em seu derredor. Com esse imenso poderio, colheu, um dia, a mais bela flor morena da sociedade miracemense: Naide Noleto, com quem se casou, no dia 7 de outubro de 1949, e com quem teve cinco filhos: Ceres, Pedro Silva Júnior – o Silva –, José Emídio, Luís Ernesto e Jânio.
Pedro Silva e Naide: simpatia e elegância do jovem casal
Mudou-se para Carolina (MA), a 9 de fevereiro de 1951, iniciando suas atividades comerciais à Praça Goiás, nº 55, onde construiu esta confortável casa com linda vista para o majestoso Rio Tocantins, na qual até hoje reside:
Em Carolina, sempre em sociedade com o Tio Cazuza, praticava o comércio de estivas em geral e gêneros exportáveis da região: couros bovinos, peles silvestres, crinas, penas de ema, arroz, babaçu, algodão e outros. Fez parte de diversas sociedades e empreendimentos vários até que passou a operar por conta própria, dedicando-se com mais afinco à pecuária. Paralelamente, foi nomeado Servidor da Prefeitura Municipal de Carolina, atuando no Setor de Finanças e no Departamento de Administração.
A Música, como sempre, era seu principal derivativo. Fundou a Escola de Samba Unidos de Carolina, que desfilou pela primeira vez no Carnaval de 1963.
Belinha, Porta-estandarte em 1977
Em outubro de 1975, inspirado no grupo musical que acompanhou Carmen Miranda para os Estados Unidos, Pedro criou o conjunto Bando da Lua, com o objetivo principal de divulgar e promover a MPB em nossa região. Sem aparelhagem eletrônica, contava com uma sanfona, pau, corda, percussão e as vozes de seus integrantes, no gogó. A seresta, então, viu-se revigorada naquele sertão. Mais tarde, incluíram-se teclado, guitarra, contrabaixo, metais, palhetas, bateria e aparelhagem, para que alguns integrantes provessem o ganha-pão. Adiante, o Bando da Lua em sua feição seresteira:
Inácio, pandeiro; Djael, voz; Adelino, cavaquinho;
Luzimar, sanfona; Pedro Silva, violão; e Sitônio, surdão
Pedro Silva tem também sua veia literária. Orador oficial da família, é cronista, articulista, compositor, escritor e cordelista. Adiante, a capa de seu livro Som e Ritmo da Terra, onde narra toda sua trajetória musical, com dados biográficos, e do cordel Navaiadas, elogiando políticos amigos e descendo o cacete nos adversários.
Ao aposentar-se do Serviço Público, Pedro Silva continuou em plena atividade econômica, como dono de caminhões e jipes, de embarcações fluviais, do Sítio Tangará, fornecendo leite para o consumo da cidade, das Fazendas Santa Maria e Jacaracy, especializadas na criação de gado Nelore e mestiço. Nessa última, construiu, no alto dum morro, o Santuário de Nossa Senhora da Conceição, de quem é devoto.
Detalhes do Sítio Tangará e da Fazenda Santa Maria
Santuário de Nossa Senhora da Conceição e Motor São Pedro de Alcântara
Nestes 75 anos de árdua labuta, Pedro Silva exerceu, além das já citadas, as seguintes atividades: Fundador da Companhia Industrial do Tocantins - CITOCAN, para extração de óleo de babaçu, 1ª Sociedade Anônima da região, sendo seu Diretor-Presidente por 9 anos; Fundador da Liga Esportiva Carolinense, sendo um dos construtores do Estádio Alto da Colina; Fundador da Associação Recreativa de Carolina - ARCA; Fundador e Primeiro Presidente da Associação Comercial e Industrial de Carolina; Fundador da Loja Maçônica Caridade e Justiça, ocupando cargo de direção; Fundador da primeira Loteria Esportiva em Carolina; Fundador e Primeiro Presidente Municipal da ARENA, partido político; Fundador da Empresa Telefônica de Carolina, que presidiu; Diretor-Presidente da Comissão de Implantação do Sistema de Televisão em Carolina; e Suplente de Juiz de Direito, nomeado em outubro de 1973.
Recentemente, analisando essa rica trajetória, ele comentou comigo: – Raimundo, durante todo esse tempo, eu nunca tirei um dia sequer de férias do trabalho! Ao que eu acrescento: Nem da Boemia Seresteira! Nem de Porta-Estandarte do Amor, pois em suas serestas muitos casamentos foram engatilhados! Isso explica a razão de sua longevidade, atestada nestas duas imagens, uma colhida em julho de 2006, na comemoração de meus 70 anos, e a outra, em novembro de 2012, na festinha de seus 90:
Pedro Silva, aos 84, comigo, em meu Forrozão/70, e com sua Turma, ao festejar seus 90
Carolina, hoje, mantém dois movimentos culturais preservadores de suas legítimas tradições. Uma delas é o Clube das Onze.
Clube das Onze: aguardando a chegada de seus membros
Situado na Praça Alípio Carvalho, em frente ao quiosque Lanche Bar, em área adredemente cimentada para tal fim, é o ponto de reunião da Velha Guarda Carolinense. De segunda-feira a sábado, às 10h30, Lindomar, dono do quiosque, onde se bebe a cerveja mais gelada, e a cachaça mais pé-de-serra, com tira-gosto do pastel mais saboroso e crocante da paróquia, dispõe mesas e cadeiras, conforme se vê na foto acima, à espera dos membros que, aos poucos, vão chegando. Quando a frequência é maior, cadeiras e mesas adicionais são disponibilizadas. Às onze horas em ponto, começam os trabalhos que, ao meio-dia, impreterivelmente, são encerrados, seguindo cada membro para sua residência. Fundadores como Luiz Braga, Achiles, Hermógenes, Paulo Noleto, Alfredo Maranhão, Genésio, Maninho, Agnelo Jácome, Raimundinho Caetano, Zé Biô, Ulisses Braga e Darwin Noleto já não comparecerão, sendo representados pela nova geração que os sucede. Por ser o decano, Pedro Silva é, tacitamente, considerado o Presidente do Clube.
O outra é o Conjunto Ouro & Couro. Como o próprio nome insinua, é formado por instrumentos de cordas – o ouro – e percussão – o couro. Fundado por Pedro Silva, que atua no violão e no vocal, conta ainda com os artistas Inácio, no pandeiro; Maria do Amparo, no violão e no vocal; Adelino, no cavaquinho; e Mangueirinha, na percussão. Essa turma, que mantém a tradição seresteira carolinense, está também pronta, a qualquer hora do dia ou da noite, para levar animação a todo tipo de função musical, seja um simples aniversário infantil ou uma festa de arromba.
Pelo conjunto da obra, Pedro Silva foi agraciado, a 13.11.2002, pela Câmara Municipal de Carolina, como o título de Cidadão Carolinense.
O CD Cheiro de Mato, artesanal, sem grandes recursos técnicos, mostra um pouco do trabalho desses sonhadores. Escolhi para ilustrar esta matéria o samba-canção que lhe empresta o título, Cheiro de Mato, composição recente de Pedro Silva, que o interpreta como vocalista principal:
Boas lembranças. Acho que o papai o chamava de Pedro Maranhense Costa, ou estou enganado?
Primo, obrigado! Pedro Maranhense era outro, cujo perfil você de acessar clicando neste link (http://raimundofloriano.com.br/views/Comentar_Post/pedro-maranhense-meu-primo-guabiraba-hY7W4H7dT8n39aWMJblD)