(29.06.1925 – 10.12.2012)
Raimundo Floriano
Pedro Maranhense: no alto, à direita, a Fazenda Santa Rosa
O cavaleiro montado nesse ginete tobiano – ou pampo – raceado é meu primo Pedro Maranhense, homem do campo, das matas, dos rios, das lagoas, dos riachos, dos pastos, dos currais, do gado, de tudo que é ligado à Natureza silvestre, enfim, um telúrico.
Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, disse Jesus Cristo a São Pedro, o pescador de almas. E esse meu primo já nasceu consinado, como se diz no sertão. Com a sina de ser Pedro e pedra lapidada, pedra-alicerce de toda uma família que ajudou nos difíceis momentos da vida. Ajuda material e, mais que isso, suporte espiritual.
Nosso avô, Capitão Pedro José da Silva, com prole de 17 filhos, criou-a na Fazenda Brejo, sertão piauiense, onde lhe ensinou o duro labutar na lavoura e na pecuária, tirando da terra as dádivas necessárias à subsistência e à aquisição de bens industrializados, estes, nas mais das vezes, obtidos na base do escambo.
Naquela fazenda, nasceu Tia Evarista. A maioria dos filhos nominou também os seus em honra ao Patriarca. Assim, tivemos Pedro de Alcântara, do Tio Mundico; Pedro Silva Neto, do Tio João Ribeiro; Pedro Del Pretes, do Tio Fructo; Pedro Apóstolo, da Tia Ondina; Pedro Silva, do Rosa Ribeiro, meu pai; Pedro Ivo, do Tio Cazuza; e Pedro Maranhense, da Tia Evarista, com um detalhe: nasceu no dia 29 de junho, Dia de São Pedro. Não fugindo à tentação de fazer um trocadilho, ouso afirmar que esse nosso primo já nasceu pedrestinado.
Sua ascendência é inteiramente sertaneja: bisavós paternos, Raimundo Alves Costa e Anna Alves Ferreira Sant’Iago, Belchior de Souza Britto e Maria Bandeira de Mello, do sertão sul-maranhense; e maternos, Fructuoso José Messias da Silva e Evarista Messias da Silva, Honorato José de Souza e Lucialina Maria de Freitas Sousa, do sertão piauiense. Avós paternos, Luiz Alves Costa e Albertina de Souza Britto Costa, do sertão sul-maranhense, e maternos, Pedro José da Silva e Isaura Maria de Sousa e Silva, do sertão piauiense.
Pedro Maranhense Costa nasceu em Balsas (MA), no Bairro Tresidela, a 29 de junho de 1925, e faleceu em Brasília (DF) no dia 10 de dezembro de 2012. Era filho de Manoel Maranhense Costa, o Né Costa, nascido em Pastos Bons (MA), a 5 de julho de 1898, e falecido em Caxias (MA), no ano de 1932, e de Evarista de Sousa e Silva, nascida em Floriano (PI), na Fazenda Brejo, no dia 20 de abril de 1896, e falecida na mesma cidade, no dia 25 de abril de 1928.
Pedro Maranhense era, portanto, guabiraba, termo com que são carinhosamente chamados, no Maranhão, os nascidos na Tresidela, bairro de cidades ribeirinhas, na margem oposta do rio.
Tio Né Costa levava uma vida nômade, como se deduz pelas datas de nascimento dos filhos: Maria Albertina da Silva Costa nasceu em Pedro Afonso (GO), hoje Tocantins, a 18.09.1923; Pedro, em Balsas, a 29.06.1925; e Maria Flory, em Floriano, a 27.10.1926.
Tia Evarista sofria de problemas pulmonares. No começo do ano de 1928, sentindo aproximar-se o fim de seus dias, e prevendo que Tio Né Costa, com seu espírito cigano, não teria condições de arcar com as três crianças que deixava, entregou-as para seus pais e meus avós, Pedro José da Silva e Isaura Maria de Sousa e Silva. Falecendo ele em 1933, Albertina e Pedro passaram à tutela de Tia Maria Isaura de Sousa e Silva, que os criou como filhos. Flory, por sua vez, foi entregue à Tia Ondina de Sousa e Silva. Isso aconteceu em 1928, ano em que o inglês Sir Alexander Fleming descobria a penicilina, o santo medicamento para debelar o mal de que ela sofria.
Pedro José da Silva, Isaura Maria e Maria Isaura, seus pais de criação
Tia Maria Isaura, alta funcionária dos Correios e Telegráficos, nunca se casou e foi um esteio em nossa família, ajudando nos estudos da maioria dos sobrinhos sertanejos, assim como eu, que se hospedaram em sua casa para cursar o ginásio. Moravam com Tia Maria Isaura sua irmã Júlia de Sousa e Silva, a Tia Julinha, e seus três filhos, Antônio Luiz, Magnólia e Nílton, que foram para o Pedro verdadeiros irmãos de criação.
Antônio Luiz, Magnólia e Nílton
Que Pedro se lembrasse, só viu seu pai uma vez, isso aos 6 anos de idade, quando Tio Né Costa, tendo já constituído outra família em Caxias (MA), passou por Floriano. Ambos, na presença um do outro, ficaram muito encabulados, sem saber o que falar. No ano seguinte, Tio Né Costa faleceu, e Tia Maria Isaura, ao consolar o menino, entregou-lhe um presente, única herança que o pai lhe deixara, uma tesourinha, da qual falarei mais adiante.
Pedro sempre foi um vencedor. Com a ajuda da Tia Maria Isaura e sua determinação de vencer obstáculos, conquistou seu espaço no mercado de trabalho do único modo que impulsiona o pobre que deseja crescer social e financeiramente: o estudo!
Com o Segundo Grau completo, foi admitido como funcionário da Sul América Capitalização S.A., mediante aprovação em concurso público, com exercício na Capital Piauiense, onde já desempenhava o cargo de Professor do Curso Primário.
Em outubro de 1949, casou-se com a balsense Raymunda Pires Maranhense Costa, a Dica, nascida a 8 de julho de 1926 e residente em Teresina, filha do negociante Álvaro Pires e sua mulher, Marina de Souza Coelho.
Pedro Maranhense e Dica
Pedro jamais pôs seu chapéu onde não pudesse alcançar. Assim foi que, ao casar-se, em vez de endividar-se e viajar para cidades mais adiantadas, hospedando-se em hotéis caríssimos, preferiu gozar sua lua-de-mel em Floriano, na casa onde fora criado.
Casa da Família em Floriano
Tia Maria Isaura preparou a alcova nupcial no quarto de duas janelas à esquerda da casa, nada ficando a dever a qualquer hotel de luxo. Acontece que as paredes do solar não iam até o teto. Com a casa cheia de moradores, adultos e estudantes, havia o inconveniente de que qualquer pequeno ruído e qualquer sussurro naquela camarinha seriam ouvidos lá na cozinha ou lá no imenso quintal. Nessas circunstâncias, a primeira noite transcorreu.
Na manhã seguinte, Pedro desencavou uma espingarda velha de cano de cabo de guarda-chuva, do tempo de menino, que lá deixara, foi ao comércio, comprou espoletas, pólvora, chumbo e bucha e chamou a Dica para caçarem rolinha fogo-pagou à beira dum riacho distante dali uma légua, rua acima. Saíam pela manhã e só voltavam à noitinha. Repetindo essa caçada todos os dias da lua-de-mel, nunca os vi trazerem ave abatida, mas o certo é que, ao retornarem para Teresina, uma das três Marias que compõem a prole do casal já estava encomendada.
Agora, vou falar-lhes da tesourinha, único dote que o Tio Né Costa deixou para o filho. Dica possuía Segundo Grau completo, o que muito lhe valeu na educação das filhas. Moça altamente prendada, como todas as balsenses daquele tempo, era perita em artes manuais. Estando ela um dia, com sua irmã Magnólia Pires, sentadas no sofá da sala, a executar um bordado, como esse da foto, e usando a famosa tesourinha para os arremates, ocorreu de esta escapulir para uma brecha entre o assento e o braço do móvel, tornando-se impossível resgatá-la. Cada vez que e tentavam puxá-la, mais ela sumia. Como o sofá não era desmontável, ela ficou por lá mesmo. Mais tarde, ao ser vendido o móvel para comprar um mais moderno, a tesourinha foi junto.
Como eu disse anteriormente, Pedro fez do estudo seu modo de crescer na vida. No ano de 1952, foi aprovado em concurso público para o Banco do Brasil, tomando posse, em 1953, na Agência de Santarém (PA), após o que, conquistou o Grau Superior de Contador, vindo a aposentar-se, na Década de 1980, no cargo de Assessor da Vice-Presidência.
Fazenda Santa Rosa: entrada e sede
No inicio da Década de 1960, Pedro transferiu-se com a família para Brasília, onde fixou residência definitiva. Tão logo aqui chegou, adquiriu um pedaço de terra no Município de Santo Antônio do Descoberto (GO), dando início a sua vida de sertanejo, honrando a tradição de nosso avô, com a Fazenda Santa Rosa, onde passou a criar gado leiteiro e a produzir laticínios diversos. Com o terreno recentemente inundado pela Barragem do Descoberto, recebeu a merecida indenização, empregada toda ela na construção de nova sede, que se vê na foto acima, à esquerda das Sete Curvas e às margens do lago que se formou.
A Dica sempre o auxiliou na administração do lar e na rotina da fazenda, enfrentando qualquer tipo de serviço, sendo companheira exemplar e devotada até o dia de seu falecimento, ocorrido a 24 de julho de 1984, com apenas 58 anos de idade.
Nesse período de imensa dor, Pedro encontrou guarida no seio da família e nos companheiros rotarianos. Sendo um dos mais antigos sócios do Rotary Brasília Leste, adorava comparecer às reuniões nas terças-feiras, indo ao encontro dos amigos e, ao entrar no clube, logo dava uma chegada à cozinha para cumprimentar a turma do labor quando, muitas vezes, cantarolava algo e depois seguia para a sala de reunião.
Cantar era uma de suas curtições preferidas. Sempre bem-humorado, orgulhava-se de saber de cor mais de 100 canções e chegava a rir dos que não conseguiam decorar, às vezes, música alguma.
A 19 de julho de 1988, quase quatro anos após a viuvez, ele vivenciou um relacionamento amoroso e fugaz que lhe deu a alegria de ter um filho homem, o Everton. Pedro sempre considerou a instrução como o maior bem da vida e educou seus filhos norteado por esse pensamento, orientando-os e dando-lhes as condições necessárias à conquista do Grau Universitário e muito mais.
Pedro sempre foi caracterizado pela capacidade de perdoar, pelo modo de ver em todas as pessoas o lado bom a ser ressaltado, pela felicidade que trazia em seu semblante e pela alegria com que encarava a vida. A Fazenda Santa Rosa era uma espécie de clube sertanejo da família e dos amigos, onde realizávamos festas inesquecíveis, para as quais só nós daqui de casa arregimentávamos convidados que lotavam dois ônibus.
Um dos sonhos do Pedro era construir uma pequena orada na fazenda, em homenagem a São Pedro, também Padroeiro de Floriano, e na qual se entronizariam também as imagens de Nossa Senhora, a Mãe de Jesus, Santo Antônio, o Padroeiro de Balsas, e São Francisco de Assis, o Santo da Natureza, o que realizou no ano de 2011, aos 86 anos de idade:
Capelinha de São Pedro na Missa de Inauguração
Pedro não teve irmãos do sexo masculino, por isso considerava todos os primos como verdadeiros irmãos de sangue, e assim todos nós o tínhamos em nosso bem-querer. Essa fraternidade não se resumia apenas ao aspecto afetivo, pois a muitos ajudou materialmente, financeiramente, inclusive a mim. No ano de 1956, quando me encontrava desempregado em Teresina, ele me socorreu, não me dando o peixe, mas me ensinando a pescar: custeou-me um Curso de Datilografia, o qual muito me valeu para ser promovido a Sargento do Exército Brasileiro e, mais tarde, conseguir a aprovação em concurso público para a Câmara dos Deputados. A seguir, imagens colhidas na fazenda no ano de 2010:
Os primos Benu, Raimundo, Manoel, Oswaldo e Pedro - Pedro soltando a voz
Ao falecer, Pedro deixou uma linda família, constituída de três filhas, um filho, dois genros e quatro netos.
A Fogueira de São Pedro era uma tradição em nosso clã, começada pelo Capitão Pedro José da Silva, nosso avô, na Fazenda Brejo, mantida pela Tia Maria Isaura, em Floriano, e preservada pelo Pedro na Fazenda Santa Rosa. Com um detalhe: como sua irmã Maria Albertina falecera no dia 29 de junho de 1950, ele jamais comemorava seu aniversário e a Noite de São Pedro na mesma data. A festa seria antes ou depois.
Esse valoroso guabiraba, amabilíssimo primo e inesquecível irmão deixou-nos no dia 10 de dezembro de 2012, indo residir no Paraíso Celestial. Dois meses antes, esteve aqui em casa, cheio de vitalidade e esperança, combinando a grande fogueira que faríamos em seu aniversário.
Na Fazenda Santa Rosa, este ano, a Fogueira de São Pedro não será acesa. Estará, porém, vívida, intensa em nossos corações, onde as lembranças de Pedro Maranhense jamais se apagarão.
Em intenção do Chaveiro do Céu, do Pescador de Almas, e honrando a devoção dos Pedros de nossa família, vamos ouvir o balanço Viva São Pedro, de Jorge Ben, que o interpreta: