PEDRO FONSECA, O CRONÔMETRO
Raimundo Floriano
Quem pensa que os sinos da torre da Igreja Matriz de Santo Antônio de Balsas só servem para tocar a chamada para as missas e novenas e o sinal dos mortos, está muito enganado. Hoje, até que assim é. Mas houve época em que um deles foi fonte de ocupação muito rendosa: o bater das horas.
Essa profissão era exercida por meu irmão Afonso Celso. Todos os dias úteis, ele desferia suas batidas no sino maior, que serviam para dar início às atividades comerciais ou colegiais da cidade. Às sete horas, quando as portas das lojas e das escolas se abriam; às onze, quando se fechavam para o almoço; à uma da tarde – treze badaladas –, quando a rotina recomeçava, e às cinco, término da faina diária.
A remuneração provinha dos comerciantes, da maioria deles, pois havia uns que se recusavam a colaborar. Para fazer justiça, aqui relaciono os que contribuíam mensalmente com a quantia de Cr$2,00 (dois cruzeiros): Aarão Lima, Salomão Ahuad, Chico Florentino, Moisés Coelho, Jacques Pinheiro, Doutor Gonzaga, Augusto Pires, Coronel Fonseca, Hermes Fonseca, Seu Lima, Doutor Didácio, Cazuza Ribeiro, Alexandre Pires, Elias Alfredo Kury, o Seu Curi, Raimundo Bringel, Raimundo Botelho, Edísio Silva, Gesner Soares, José Costa Branco, José Costa Preto, Joaquim Coelho, José de Souza Lima, o Souzinha, Constâncio Coelho, Tarcísio Moreira, Santo Coelho, Silvério Sampaio, Professor Joca Rego e, na Tresidela, Manoel Coelho, Aprígio Alencar e Elias Miranda. Multiplique cada cabeça por dois, e veja como a grana era boa!
Em 1947, meu irmão Afonso foi estudar em Goiânia, passando-me o comando do badalo. Função que desempenhei até 5 de fevereiro de 1949, quando, aos 12 anos, embarcaram-me no motor Pedro Ivo, com destino a Floriano, para fazer o rigoroso exame de admissão ao Ginásio Santa Teresinha, do Doutor Sobral Neto. Foi uma saída tão brusca, que nem deixei substituto na torre.
No Porto da Rampa, subi a bordo, ante o olhar da multidão que ali comparecera para as despedidas. Ato contínuo, o barco zarpou, seguiu até o Porto do Fonseca, manobrou e embicou rio abaixo, emitindo um longo e saudoso apito ao passar pela Rampa. Na primeira curva à esquerda, a do Remansão, quando não mais vi Maria Bezerra, minha mãe, acenando com um lenço branco – costume de então –, abri o rabo a chorar.
E chorei até chegar em Sambaíba, grande centro da indústria fluvial, onde fora construído o motor Pedro Ivo, sob a supervisão do Comandante Luiz Barbosa, e onde, num dos estaleiros, Mestre Casemiro de Abreu, renomado carpinteiro, acertava os últimos detalhes para o lançamento do motor Princesa Isabel, propriedade dos negociantes balsenses Alexandre Pires e Jacques Pinheiro. Era o progresso que me escancarava suas portas.
Nas férias de julho, reencontrei minha Balsas Querida muito modificada: sinuca, picolé, bicicleta de aluguel, chaveiro, amplificadora e até promessa de um cinema, que o rádio-técnico-eletricista Zé Farias cumpriria dentro em breve, consagrando-se como o primeiro projecionista da cidade. O comércio já não fechava suas portas para o almoço e, igualmente, os sinos não mais batiam as horas.
Voltemos, agora, ao que realmente interessa neste episódio!
Em certa longínqua madrugada de 1947, na ocasião da partida do meu irmão Afonso, aboletado na carroceria do caminhão do Olegário, rumo à conquista do Planalto Central, ocorreu-me perguntar-lhe:
– Afonso, você nunca teve relógio. Muito menos eu. Como é que você fazia, e como é que eu vou fazer, para saber o exato momento de sapecar as batidas no sino?
Sua resposta:
– Suba na torre e fique observando a Casa Agreste!
Referia-se ao estabelecimento comercial do Coronel Fonseca, na Praça da Matriz, de secos e molhados, com usina beneficiadora de arroz e algodão, imensos armazéns de couro, coco babaçu e sal, fornecedor de mercadorias para toda a região sul-maranhense e tocantina, do qual era auxiliar graduado e da máxima confiança o Pedro Fonseca, sobrinho do Coronel.
Prosseguiu o Afonso:
– Pela manhã, quando o Pedro Fonseca abre a loja, são sete horas; quando fecha, são onze. À tarde, quando abre as portas novamente, são treze horas; ao fechar, são cinco. Não tem como errar!
Se o Pedro Fonseca possuía relógio? Ao que me consta, não!
Mas assim sempre se sucedeu! Sem falhar uma vez sequer! Na batata, rente que só pão quente, justo que nem boca de bode!
Pedro Fonseca abrindo a loja: base segura para o menino do badalo
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