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Flecha de Lima era um oráculo para os novos diplomatas, que o procuravam para ouvir lições e conselhos |
O Brasil perdeu, ontem, um dos maiores nomes da diplomacia do país. O embaixador aposentado Paulo Tarso Flecha de Lima morreu, aos 88 anos, de uma infecção urinária que evoluiu para uma septicemia. Ele estava internado no Hospital Sírio-Libanês, em Brasília, desde a semana passada, onde deu entrada já com quadro grave. No domingo, os médicos consideraram a situação irreversível. O corpo será velado hoje, no Palácio do Itamaraty, em uma cerimônia restrita por conta da pandemia da covid-19. Já o enterro será realizado em Belo Horizonte.
Mineiro da capital, Flecha de Lima era considerado por muitos como o maior diplomata brasileiro da contemporaneidade. Ingressou no Ministério das Relações Exteriores em 1955. Seu profissionalismo, aliado a modernas práticas de negociação serviriam de inspiração para as gerações seguintes do Itamaraty.
Flecha de Lima passou a ser chefe do Departamento de Promoção Comercial em 1973, onde permaneceu por mais de uma década. Depois, foi subsecretário-geral de Assuntos Econômicos e Comerciais, em 1984, e em 1985 tornou-se secretário-geral das Relações Exteriores, considerado o posto mais alto da diplomacia brasileira — desempenhando, segundo o Itamaraty, “papel fundamental na inserção internacional do Brasil na fase final da Guerra Fria”.
Foi embaixador do Brasil em Londres, entre 1990 e 1993; em Washington, de 1993 a 1999; e em Roma, de 1999 a 2001, quando se aposentou. Sua carreira durou 46 anos. Entre as missões diplomáticas, amigos relembram a negociação do resgate de brasileiros, em 1990, no Iraque. O embaixador negociou com Hussein Kamel-Hassan, genro do ditador Saddam Hussein, a libertação de 450 brasileiros, funcionários da construtora Mendes Júnior, feitos reféns naquele país e que seriam usados como escudos humanos para evitar um bombardeiro dos Estados Unidos, na Guerra do Golfo.
Repercussão
O ex-chanceler Celso Amorim, que esteve à frente do Itamaraty de 2003 a 2010, relatou que Flecha de Lima foi um patriota. “Motivo de orgulho para todos nós. O Itamaraty deve muito a sua dedicação e talento. Tive a honra de ser um de seus sucessores como embaixador em Londres. Pude, apesar de certa distância no tempo, apreciar o prestígio de que gozou no Reino Unido, tanto entre autoridades como na sociedade”, relatou.
O diplomata Paulo Roberto de Almeida falou da importância de Flecha de Lima e relatou que mesmo após sua aposentadoria, se tornou um oráculo para os recém-formados. “Foi um dos grandes diplomatas da área da promoção comercial no Itamaraty e o mais importante diplomata na época de Sarney depois da saída de Olavo Setúbal”, avaliou.
Para Carlos Velloso, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, “Paulo Tarso Flecha de Lima foi um notável diplomata e homem público. Mineiro, sabia conversar e convencer, e sempre o fazia para o bem. Nunca se desvinculou de Minas. Ele foi um entusiasta da nossa urna eletrônica. Homem de bem e do bem, vai fazer falta”.O Ministério das Relações Exteriores divulgou uma nota de pesar destacando que, ao longo da carreira diplomática, “sua coragem e criatividade marcaram todos que tiveram a oportunidade de trabalhar ao seu lado. Ao longo de sua carreira, o embaixador Paulo Tarso dedicou-se ao ideal de que a política externa pode e deve contribuir para melhorar concretamente a inserção internacional do país e a vida de todos os brasileiros”.
Fontes próximas ao embaixador destacam, ainda, o grande círculo de amizades cultivadas por ele e pela embaixatriz Lúcia Flecha de Lima, com quem foi casado por 54 anos. Ela era amiga íntima da princesa Diana, morta em um acidente de carro em 1997, e do casal Bill e Hillary Clinton, ex-presidente e primeira-dama dos Estados Unidos. Flecha de Lima deixa quatro filhos e neto, e abre a cadeira 13 da Academia Mineira de Letras.