Paul McCartney tocando no Brasil não é mais nenhuma novidade. O ex-beatle vivo mais famoso, depois de poucas visitas ao país em décadas de carreira, virou figura frequente nos estádios brasileiros de 2010 para cá. Em 2019, com novo disco, ele decidiu abrir o giro nacional em São Paulo, cidade que mais recebeu shows dele nos últimos anos e tornou-se parada obrigatória nas turnês recentes do artista.
McCartney dispensa apresentações, e apenas sua presença seria suficiente para que as cerca de 40 mil pessoas no Allianz Parque lotado (todos os ingressos para o show desta terça, 26, foram vendidos) o reverenciassem. Antes da apresentação começar, quando apenas o dono da festa havia aparecido no palco, o telão já exibia imagens de fãs chorando. Bastava o britânico tirar o casaco ou dizer algumas palavras em português que a plateia já o respondia em alto volume. A simpatia de McCartney é conhecida, mas nem por isso deixou de encantar os paulistas – ao fim de cada performance, ele cumprimentava o público, ora mais efusivamente, ora com acenos discretos.
Em cima do palco, McCartney reflete sobre a própria história de vida, suas crenças e vivências. Ele recorda dos antigos parceiros de Beatles (John Lennon na emocionante “Here Today”, George Harrison na clássica “Something”) e os amores (a ex-esposa Linda em “Maybe I'm Amazed”, a atual companheira Nancy, que estava presente no estádio, em “My Valentine”). Também recupera algumas bandeiras do movimento hippie, do qual foi um dos expoentes. “Essa é sobre direitos humanos”, disse, antes de “Blackbird”, inspirada pelo movimento negro. O ex-beatle celebrou as mulheres em “Lady Madonna” e, na volta para o bis, ergueu uma bandeira LGBT, ao lado de outras de Brasil e Reino Unido. Até Jimi Hendrix ganhou um aceno, com um trecho de “Foxy Lady” tocado logo depois de “Let Me Roll It”, dos Wings.
Em 2018, McCartney lançou o primeiro disco de inéditas desde “New”, de 2013. “Egyptian Station”, que teve recepção morna de público e crítica, rendeu quatro performances. “Fiz essa música para o Brasil”, ele anunciou, antes da mais celebrada do novo disco, “Back in Brazil”, com uma levada que remete à Tropicália. Os fãs que estavam mais perto do palco chegaram a levantar alguns balões verde e amarelos na performance.
Em relação à última passagem por São Paulo, o setlist mantém algumas raridades interessantes. “A Hard Day's Night”, clássico da primeira fase dos Beatles, que ele passou décadas sem tocar, abriu o show. “In Spite of All Danger”, primeira canção lançada pela formação que viria a dar origem ao Fab Four, também ganhou espaço, assim como “Love me Do” e “From Me To You”, outras do começo dos anos 1960. As baladas, historicamente um dos pontos fortes de Macca, estiveram lá, de “Maybe, I'm Amazed” a “Let 'Em In” (Wings).
Apesar dos muitos clássicos na primeira metade, o show decolou mesmo depois de mais de 1 hora decorrida, especificamente na sequência "Something", "Ob-La-Di, Ob-La-Da", "Band on the Run", "Back in the U.S.S.R.", "Let It Be"(com o estádio iluminado pelos celulares), "Live and Let Die" e "Hey Jude" (das plaquinhas de “na na na”). No bis, já rouco, McCartney ainda se esgoelou em “Helter Skelter”, antes de fechar tradicionalmente emendando "Golden Slumbers", “Carry That Weight" e “The End".
Incansável e (ainda) em forma, McCartney trabalha para manter um legado. Além do entretenimento inerente a um show de rock em estádio, a apresentação é uma forma de manter viva, noite após noite, uma obra essencial para moldar a história da cultura ocidental. Para o Sir, pode ser apenas um jeito de contar a própria trajetória. Para o público, é a celebração das experiências particulares, das músicas que os acompanharam em grande parte (ou toda) a vida. O ex-beatle não deve parar tão cedo.