PASTORIL DO VELHO FACETA
Raimundo Floriano
Velho Faceta
Falar do Velho do Pastoril é falar de mim mesmo. Frustrado em minha carreira circense, continuo a trazer dentro de mim o palhaço que não consegui ser para sempre, mas hoje, aonde quer chegue, alegro o ambiente com piadas, chistes, pegadinhas cançonetas e charadas.
Há uns 25 anos, ensaiei com minhas filhas o grito do palhaço na rua, e isso se transformou no maior sucesso em todas as festinhas a que comparecíamos. Eis aqui uma tomada, feita em julho de 1991 – Elba com 7 anos e Mara com 5 –, num quiosque à beira do Rio Maravilha, em Balsas, minha terra natal:
Isso posto, voltemo-nos para nosso homenageado.
Constantino Leite Moisakis, o Velho Faceta, nasceu em Carpina, Pernambuco, no dia 08.1.1925.
Seu pai queria que ele estudasse para formar-se em doutor, mas Constantino optou por ser Velho do Pastoril e, até à sua morte, em agosto de 1986, esforçou-se para conservar acesa essa brincadeira típica do Estado de Pernambuco.
Preservando a tradição, o Velho Faceta manteve sempre regras originais em seu pastoril. Nas apresentações, que começavam às oito da noite e terminavam só na madrugada, dividia o palco com suas pastoras, dançando, dizendo piadas, fazendo charadas e entoando cançonetas. Sempre com um tom malicioso, apimentado, Faceta inebriava o público.
Não gostava de se apresentar nos centros mais evoluídos, preferindo os pequenos povoados, onde a miuçalha sabia melhor participar da folgança. Apresentava também seu Pastoril em folias interativas, quando a plateia pagava para ouvir piadas chulas ou impropérios contra outras pessoas, presentes ou ausentes.
As canções de seu repertório gravado foram amenizadas pela mídia, mas as rimas e a rica imaginação dos ouvintes funcionam como tradutores daquilo que ele realmente queria dizer.
Quase não ficaram registradas imagens do Velho Faceta. As poucas que existem na Internet, foram editadas das capas de seus elepês, como estas:
(Abro parêntese, aproveitando, já que estou com a mão na massa, para comunicar a todos os leitores que acabo de assumir meu verdadeiro papel no mundo histriônico, bufão, incorporando duas personalidades virtuais, a do Palhaço Seu Mundinho e a do Velho Fulô. Neste ano de 2016, publique livro Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, com presepadas dos dois. Fecho parêntese):
Seu Mundinho e Velho Fulô
Houve muitos Velhos de Pastoril no Nordeste: Cebola, Dengoso, Futrica, Rabeca, Xaveco, Balalaica, Xumbrega, Mangaba, Barroso, irmão do Velho Faceta, e outros.
O pastoril é um auto natalino muito difundido no Nordeste, geralmente realizado no período que vai do Natal ao Dia de Reis. Em suas origens européias, os pastoris – adjetivo substantivado de “autos pastoris” – eram dramas litúrgicos apresentados nas igrejas, nos quais se teciam loas aos personagens do Natal. Chegou ao Brasil trazido pelos jesuítas, havendo indícios de sua existência aqui já no Século XVI.
Pastoril familiar
Os brasileiros logo os assimilaram, e de tal maneira, que criaram outra espécie de espetáculo: o pastoril profano.
Sem as pastorinhas angelicais, entraram as escrachadas. Sem as ladainhas religiosas, chegaram as sátiras sociais.
O pastoril de ponta-de-rua é a dessacralização do presépio ou lapinha. Nele, as mocinhas dos cordões azul e encarnado foram substituídas por mulheres-da-vida, com um Velho ou Bedegueba. Com tal elenco, as funções já não se regulam pela moral vigente. O sexo é o carro-chefe. Neste, cabras muito safados fazem as vezes das pastoras:
Pastoril profano, escabroso e esculachado
Outro pastoril famoso, é o do Velho Xaveco, apresentando lindas pastoras, escolhidas ‘a dedo” como ele gosta de dizer:
Pastoril do Velho Xaveco.
Atualmente, quem faz sucesso em todo o Nordeste é o Velho Mangaba, personagem criado e vivido pelo ator, músico, compositor, dançarino e palhaço Walmir Chagas. Vejam-no aqui em ótima companhia:
Velho Mangaba, cercado de belezuras
Podemos considerar Walmir Chagas um teimoso, um persistente e, por isso mesmo, um herói, porque hoje o pastoril profano está praticamente apagado na memória do povo, e os poucos ainda renitentes quase não mais despertam na assistência o mesmo interesse de outrora. É o progresso!
Voltemos ao Velho Faceta. Em 1970, pelas mãos de Hermilo Borba Filho, o Velho Faceta chegou à gravadora Bandeirantes, fazendo sucesso nacional com as músicas Nabo Seco, Dona Maçu, É Mais Embaixo, Bacorinha, e A Espiga. Chegou a lançar 3 elepês:
E aqui está o mérito do Velho Faceta: consagrou no vinil um bocado de nossas tradições nordestinas para todo o sempre.
Como pequena amostra de seu trabalho, aí vão duas faixas, na gravação das quais participaram o sanfoneiro Edinaldo Castanha, o zabumbeiro Zeca, o pandeirista Jegue, o triangueiro Ivo e as pastoras Terezinha, Biuzinha, Genilda, Biazinha, Cleides e Séo:
Chamada do Velho Faceta, marcha, Boa-Noite do Velho Faceta, fala, e Amor de Criança, bolero:
Cuidado, Cantor, embolada:
Nabo Seco, coco:
Bacorinha: baião:
É Mais Embaixo, embolada:
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