Garrincha passa e o marcador fica no chão
Hoje peço licença aos amigos leitores, para falar um pouco do futebol, meio no qual dormi e acordei por alguns anos.
Sou torcer alvinegro, com ênfase para Ceará Sporting Club, Botafogo de Futebol e Regatas e Santos Futebol Clube. Na primeira preferência, por ser o clube da minha terra natal; na segunda, por conta desse ser humano genial, cuja alegria inocente era levar alegria para todos; e, finalmente, no terceiro, por conta da genialidade do negão que vestiu e honrou a camisa 10, fazendo dela, mundo à fora, um ícone da excelência.
1 – MAMÉ GARRINCHA
“Manoel Francisco dos Santos, o Mané Garrincha ou simplesmente Garrincha foi um futebolista brasileiro que se notabilizou por seus dribles desconcertantes, sendo considerado por muitos o mais célebre ponta-direita e o melhor driblador da história do futebol.” (Wikipédia)
Longe de mim a pretensão de querer contar a história de Garrincha, uma figura demasiadamente conhecida, não apenas nos meios futebolísticos, ou, por conta de algumas peripécias na vida particular – e isso não me diz respeito.
Dito isso, muitos, mas nem todos sabem, que Garrincha nasceu Manoel Francisco dos Santos, no povoado Pau Grande, em Magé, no Estado do Rio de Janeiro, a 28 de outubro de 1933. Foi ali que Ele ensaiou e desenvolveu os primeiros dribles, construiu as primeiras gaiolas e criou os adorados passarinhos.
Há pouco para se dizer ainda sobre Garrincha. Muitos já disseram tudo, graças à adoração que o também botafoguense Sandro Moreyra tinha pelo genial jogador. Mané era assunto preferido de Sandro, mesmo quando o Botafogo não jogava.
O que já se sabe era que, quando jogava o Botafogo de Garrincha contra o Flamengo de Jordan ou o Vasco de Coronel, os torcedores dos clubes, adversários em campo, se deliciavam pelos momentos chaplinianos que “Mané” proporcionava. Era uma delícia, e há quem afirme que, até o marcador se sentia feliz em viver o seu dia de “João”, como passou a ser rotulado o pretenso marcador que tomava baile.
Até onde se sabe, pelo que muitos disseram, uma vida desregrada após a aposentadoria no futebol, foi a causa principal que levou Mané Garrincha à morada eterna, no dia 20 de janeiro de 1983 – dia consagrado à São Sebastião, no Rio de Janeiro.
Pau Grande – bucólico povoado onde nasceu Garrincha
Sobre Garrincha, além de ter presenciado em inúmeras oportunidades nas arquibancadas do Maracanã aquele drible seco sempre para o lado direito depois de um “faz-que-vai-mas-não-vai” para a esquerda, um momento triste que presenciei sobre uma figura tão importante no Brasil e mundo à fora.
Toda manhã de domingo, eu ainda morador do Rio de Janeiro, cultivava o hábito de comprar vários jornais (O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil, O Globo, Folha de São Paulo, Jornal dos Sports, Gazeta Esportiva, Correio Braziliense, Diário do Nordeste e O Povo), numa banca de jornaleiro que existe ainda hoje, na frente do antigo Hotel Serrador, na Cinelândia. Comprava e lia todos. Levava uma ou até duas sacolas de jornais para ler em casa.
Eis que, ao pagar e receber os jornais, caminhei na direção da antiga Mesbla. Foi quando encontrei, sentado no meio-fio da Rua Senador Dantas, todo vestido de preto (como se estivesse usando luto), a figura inconfundível de um dos maiores jogadores de futebol do mundo: Mané Garrincha.
Percebi que ele estava insone e, aparentemente, alcoolizado. Não tentei ajuda-lo, pois tive receio de ser confundido. Segui meu caminho, enquanto ele ficara sentado no mesmo lugar. Provavelmente escutando os aplausos recebidos tantas vezes das arquibancadas do Maracanã. Aplausos vindos até dos torcedores de times adversários.
2 – CHARLES CHAPLIN
Outros tempos, outros pais e outras mentalidades. Quem estudava tinha apenas um dia para o descanso ou lazer: o domingo. Domingo era dia de cinema ou futebol para a estudantada, ou, ainda, para a juventude transviada o dia para descansar da ressaca do sábado. Diferente de hoje, que a farra começa na sexta-feira. Vida que segue.
E a estudantada sempre (ou quase sempre) ia ao cinema. Trocar revistas em quadrinhos ou figurinhas de álbuns, e depois o filme em cartaz.
Final dos anos 40 e quase todos os anos 50, a produção cinematográfica era limitada. Perdurava ainda o filme mudo (sem som audível) e muitos desenhos, rotulados de “animados”. Filmes de faroeste ainda eram raros – e havia até quem imaginasse que, a poeira feita pelas carruagens perseguidas pelos índios, pudesse provocar gripes. Arre égua!
Chaplin – o mito da então arte cinematográfica “muda”
Difícil mesmo era esquecer que, o grande nome dos filmes daqueles poéticos tempos era Charles Chaplin. Na verdade, Charles Spencer Chaplin, percussor do cinema mudo, nascido no Reino Unido, mais precisamente no povoado Walworth, dependente de Londres, a 16 de abril de 1889.
Charles Chaplin, que viria a falecer em Manoir de Ban, na Suíça, no dia 25 de dezembro de 1977, em vez de receber presentes de Natal, fez foi presentear a criançada e o cinéfilo com fitas inesquecíveis como O Grande Ditador, O Garoto, O Vagabundo e o impagável Tempos Modernos.
Lembro que vi todos esses filmes, como lembro também, da magistral interpretação de Geraldine Chaplin como “Tônia” no filme “Dr. Jivago” ao lado de Omar Shariff e Julie Christie. Geraldine sempre recebeu cobranças por melhores interpretações, apenas pelo fato de ser filha de Chaplin.
Cemitério onde estão os restos mortais de Chaplin e da família
Tudo momentos proporcionados pela arte. Quando Garrincha driblava, a ponto de destruir o marcador, provocando risos e/ou aplausos das superlotadas arquibancadas do Maracanã, era a arte se impondo de forma magnífica no futebol.
Não seria diferente, quando as plateias uníssonas gargalhavam como os trejeitos de Chaplin em quase todos os seus filmes. Mas, entre tantos, havia também aqueles que iam às lágrimas. Tudo, arte pura.