PARTENOMANCIA SERTANEJA
Raimundo Floriano
Famosa donzela do Cordel
Partenomancia, segundo o Aurélio, é vocábulo originário do Grego – parteno, virgem + mancia, adivinhação – e significava a arte de adivinhar se era ou não virgem uma mulher, administrando-lhe certa bebida que ela não devia vomitar, ou cingindo-lhe ao pescoço uma fita que não podia passar facilmente por cima da cabeça, caso a mulher estivesse pura.
Tô inventando nada. Disso eu sabia desde os tempos de estudante, quando comecei a consultar dicionários e, casualmente, topei com essa palavra. Esqueci-me logo do assunto, pois creditava essa adivinhação aos contos da carochinha, do arco-da-velha, como se dizia em meu sertão sul-maranhense.
Numa de minhas férias em Balsas, já adulto, resolvi dar uma pescada no Porto do Martim. Chegando lá, encontrei Jerônimo, preto velho africano, que a gente chamava de Pai Jerome, tratando porcos cevados para vender a retalho no dia seguinte no Mercado. Os rejeitos jogados no rio faziam com que se juntasse uma quantidade enorme de peixes, como piau, pacu, sardinha, piranha, pirambeba e pataca, espécie de piaba assim chamada por seu formato achatado, assemelhando-se à antiga moeda de 320 réis, do mesmo nome.
Tava pra mim, cada linhada era uma fisgada. Minha fieira já estava quase lotada, quando chegou uma porção de garotas para tomar banho na Fonte de Laje, uns 100 metros à nossa direita. Pai Jerome, largou um pouco seu trabalho e me perguntou:
– Mundinho, tu quer mexer nos possuídos daquelas pequenas?
Surpreso com o inusitado da pergunta, questionei-o, achando que isso seria impossível. Até que eu queria, mas de que jeito? Aí, ele me ensinou como é que se fazia. Mandou que eu pegasse uma pataca viva, passasse-a em meu pingolim e depois a jogasse no rio, proferindo esta quadrinha mandingueira:
Vai, pataquinha encantada,
Por estas águas sem fim
E diz praquelas mocinhas
Que não se esqueçam de mim
Foi o que fiz. Rapaz, contando não dá pra acreditar! Não demorou um minuto, e as garotas começaram a pular, dando gritinhos nervosos, e procurando proteger as entrepernas com as mãos!
Chega eu fiquei todo arrupiado! Larguei a pescaria e me acerquei de Pai Jerome, que nesse momento abria a barriga dum leitão. Quando ele puxou e retirou o fato, separou uma bexiguinha cheia dum líquido verde – a bílis, ou fel. Nova artimanha ele me propôs:
– Tu quer aprender como é que se faz pra saber se uma pequena ainda é donzela? – É claro que fiquei todo interessado!
Eram os dois métodos, iguaisinhos aos sobre os quais eu já lera no dicionário, o da beberagem e o da fita, mostrando que essa Arte provinha da África, dos tempos dos faraós. O método da fita é muito simples, descomplicado, e sobre ele adiante me alongarei. O da beberagem requeria alguns ingredientes difíceis de serem encontrados longe do sertão, além de imprescindível rogativa cabalística em Iorubá.
Para preparar a garrafada da beberagem, eram necessários fel de barrão – porco não castrado –, mijo de quati, chocalho de cascavel, pilado, raspa de chifre de pai-de-chiqueiro – bode não capado – e casco de jumento, moído, tudo isso em infusão num litro de cachaça durante uma semana. Se a menina ingerisse um gole da garrafada e vomitasse, era sinal de que estava no mato sem cachorro, que já lhe haviam comido os tampos.
Perguntei-lhe se eu não poderia substituir algum dos ingredientes por outros mais fáceis de encontrar, mas Pai Jerome disse-me que não senhor. Ainda questionei sobre a dificuldade para se conseguir o mijo de quati, porém ele explicou que a mandinga tinha tudo a ver com o amor, com atos da procriação, da perpetuidade da espécie, como esclareceu: o barrão, quando está cobrindo a fêmea, leva meia hora só no gozo; o quati tem a pic@ de osso, por isso rompe qualquer obstáculo à sua frente; a cascavel, com a cabeça do formato de membro viril, produz um veneno que, desde a antiguidade, é usado em perfumes afrodisíacos, mezinhas e adivinhações; um-pai-de chiqueiro, arrastando o saco pelo terreiro, cobre todo o rebanho de cabras duma fazenda; o jumento, por ter o maior mangalho de todos os quadrúpedes, é o símbolo do desc@b@ç@dor.
Muitos anos se passaram depois daquilo. Eu nunca tivera a ocasião de testar aqueles conhecimentos ginecológicos. Até que um dia!
Aqui em Brasília, nos Anos 1960, servindo na Polícia do Exército como Sargento Furriel, era raro eu não estar com um livro na mão e, como usava óculos, os colegas de caserna, por sacanagem e gozação, começaram a chamar-me de doutor. Em decorrência disso, aproveitavam-se para dar trotes nos Sargentos recém-chegados, submetendo-os a meu exame médico, no qual eu sempre declarava o novato incapaz definitivamente para o Serviço Público, podendo prover os meios de subsistência. Isso equivalia a demissão sem direito algum. Depois que o cabra ficava apavoradíssimo – alguns, pais de família, até choravam –, o embuste era revelado, e todos caíam na gargalhada.
Esse tratamento de doutor me é dirigido até hoje por muitos dos velhos camaradas daquele tempo. Não só pelas molecagens no quartel, mas pelo fato que adiante lhes relatarei.
Naquele tempo, o concurso de Miss Universo era algo equivalente à Copa do Mundo de Futebol. No dia da eleição, todos os países ficavam ligados no evento, por meio do Rádio e da TV, onde ela pegava. Para concorrer, havia um pré-requisito sem o qual a candidata não era aceita: a virgindade, atestada por Junta Médica do certame. Muitos pais, com receio de suas filhas não serem aprovadas pela Junta, procuravam se garantir, consultando, de antemão, alguém que lhes tirasse qualquer sombra de dúvida quanto às filhas.
Nessa época, eu morava no Cruzeiro Velho, na antiga Quadra 39, Casa 10. Certo dia, talvez sugestionado pelo tratamento de doutor que me era deferido pelos colegas, bateu-me à porta um casal, trazendo a filha de 18 anos para que eu a examinasse. Na hora, lembrei-me dos sortilégios que Pai Jerome me ensinara e pedi-lhes que retornassem dali a dez dias, pois me encontrava assoberbado de compromissos. Mas não tava não! Eu queria era um tempo para providenciar os ingredientes. Recomendei-lhes que, ao voltar, a garota já viesse com a região pubiana depilada.
Para dar credibilidade a meu exame e angariar a confiança daqueles pais, eis que os notei um tanto ressabiados pelo fato de eu ser ainda rapaz solteiro, procurei o aval de um colega casado e acatado no bairro, convidando o Paulo Augusto Soares Bandeira, Sargento da PE e maranhense como eu, cuja esposa, Dona Terezinha, ludovicense, depois de ficar sabedora de meu propósito, consentiu que ele funcionasse como meu assistente, mas com uma observação:
– Olhe, Seu Floriano, só deixo porque é com o senhor, pessoa de muito respeito. Se fosse com outro, era fora de cogitação!
Assim garantido, peguei um ônibus – eu ainda nem sonhava em possuir carro –, fui à Cidade Livre – hoje, Núcleo Bandeirante – e escarafunchei nas bancas de tudo que é raizeiro e macumbeiro existente no Mercado. Pouca coisa! Fel de barrão, só encomendado! Mijo de quati, nem pensar!
Dez dias depois, o casal retornou com a menina para conhecer o diagnóstico. Como eu não encontrara os ingredientes para a beberagem, resolvi partir para o método da fita.
Acompanhado do Bandeira, levei a garota para o quarto, mandei que se despisse, invoquei, mental e respeitosamente, a cabala iorubana – da qual já não me recordo – e dei início ao exame. Peguei uma fita e circundei-lhe a cabeça, tomando, dessa forma, a medida de seu perímetro, como à esquerda desta figura:
Dado um nó na parte superior da fita, retirei a laçada e mandei que ela a mordesse, após o que tentei passá-la por cima de sua cabeça, como à direita da figura.
Não passou! Se passasse, adeus, viola!
No caso em epígrafe, a menina podia concorrer ao Miss Brasília sem perigo de susto algum. Foi esse o diagnóstico que os pais receberam, prenhes de felicidade.
Após as despedidas, o Bandeira chamou o casal para uma conversa reservada e o alertou:
– Podem inscrevê-la, mas cuidado! Furada, furada mesmo, ela não é! Mas, na região de seu fiafá, é grande o aceiro. As coxas dela se encontram bastante inflamadas, assadas pra todo lado, de tanto rastro de pic@!
"
"