Foi-se o tempo em que a Vila Olímpica era apenas a hospedagem oficial dos atletas. A cada nova edição dos Jogos, as cidades-sede planejam o legado que será destinado à população pós-evento, aprimoram as entregas e ampliam a rede de serviços oferecidos aos ilustres moradores. Em Paris-2024, não é diferente.
Com área total de 52 hectares, o equivalente a 70 campos de futebol, a Vila está situada na região mais pobre da capital francesa: Seine-Saint-Denis. A cidade tem como um de seus principais objetivos a revitalização do local, em uma tentativa de reproduzir o que Londres-2012 fez no bairro de Stratford. No entanto, o que diferencia Paris-2024 de edições anteriores é a busca por experiências mais alinhadas com o mundo atual. Sob a ótica do Comitê Organizador, isso pode ser resumido em duas palavras: saúde e sustentabilidade.
Já os cuidados com saúde mental, que atingiram recentemente até mesmo grandes astros do esporte mundial, como a ginasta americana Simone Biles e a tenista japonesa Naomi Osaka, tornaram-se prioridade para o Comitê Olímpico Internacional (COI). Na Vila, os atletas têm acesso a campanhas informativas e ações de esporte seguro — voltadas especialmente a casos de violência sexual —, podem contactar um psiquiatra e até mesmo frequentar um espaço exclusivo para cuidar da mente, chamado de Mind Zone.
— Este é um espaço de acolhimento que permite aos atletas e seu entorno lidarem com suas necessidades emocionais, se prepararem mentalmente para as competições e conversarem com um staff capacitado, que está disponível no local — explica a finlandesa Emma Tehro, presidente da Comissão de Atletas do COI.
Ao menos outros três serviços voltados à saúde dos atletas foram implantados pelo Comitê Organizador. Em parceria com uma rede de hospitais públicos de Paris, a Vila Olímpica tem uma Policlínica com capacidade para mais de 700 atendimentos diários. Os que gostam de manter o corpo ativo podem frequentar uma academia de 3 mil metros quadrados, com 100 aparelhos cardiovasculares, 100 máquinas de musculação e outras centenas de equipamentos para treino livre. E, por fim, quem enfrenta problemas relacionados à saúde do sono pode acionar um serviço de ajuste nos colchões, deixando-os mais flexíveis ou mais duros, conforme sua preferência.
Se muitas das experiências na Vila estão previstas apenas para o período dos Jogos, outras terão impacto positivo na vida do parisiense a longo prazo. A meta é criar um bairro sustentável e acessível a todos. Diferentemente do que ocorreu no Rio-2016, quando toda a área se transformou em condomínios de alto padrão, geridos pela iniciativa privada, a capital francesa definiu que, a partir do ano que vem, 25% dos 3 mil apartamentos serão habitações sociais, voltadas a famílias e estudantes. Nem todos os prédios serão residenciais, com escritórios e hotéis ocupando parte do espaço, e estão previstos também um parque público, duas escolas e opções de comércio. Uma iniciativa que rendeu muitos elogios, inclusive de quem vai abrigar a próxima edição dos Jogos Olímpicos, em 2028.
— Em Los Angeles, os atletas ficarão hospedados no campus da Universidade da Califórnia (UCLA), mas ver o que estão fazendo aqui é uma oportunidade para “imaginar” o futuro da nossa cidade. É muito inspirador ver a reutilização da infraestrutura e a forma como a população se beneficiará disso: haverá apartamentos a preços de mercado, mas também os acessíveis, o que é um bom exemplo para enfrentar o desafio da habitação em grandes cidades como a nossa — destacou a prefeita de Los Angeles, Karen Bass, em visita realizada no mês de março.
Quando os mais de 14 mil moradores chegarem à Vila, eles notarão ainda a ausência de objetos de plástico no local. O restaurante, por exemplo, oferece apenas um copo reutilizável, e algumas delegações, incluindo a brasileira, têm recebido uma garrafa térmica junto ao kit de uniformes.
As famosas camas “antissexo”, tão populares nos Jogos de Tóquio-2020 e que novamente fazem parte do mobiliário da Vila, na verdade, representam uma inovação ecológica. Feitas de papelão e montadas em menos de 15 minutos, elas contribuem para as ações sustentáveis do evento.
Mas o tema que tem gerado maior apreensão entre as delegações são as altas temperaturas no verão francês. Ainda que a Vila Olímpica tenha projetado os prédios em blocos separados, o que facilita a circulação de correntes de vento, e o local esteja integrado a um sistema público de refrigeração urbana em Paris, podendo reduzir a temperatura ambiente em até 6ºC, diversos países temem que a preparação de seus atletas seja prejudicada pelo calor e, por isso, estão instalando climatizadores nos quartos. No caso do Comitê Olímpico do Brasil (COB), foram alugados 130 aparelhos, exigindo um investimento superior a R$ 230 mil.
Com ou sem aparelhos de ar condicionado, fast food e cama “antissexo”, uma coisa é certa: estar na Vila é uma experiência única.
— Os atletas jamais vão se esquecer dessa experiência na Vila, que é completamente atípica. Para a maior parte de nós, que fomos atletas, este é um momento bastante aguardado, no qual nos encontramos com outros esportes, outros países, e compartilhamos bons momentos juntos — diz o tricampeão olímpico de canoagem slalom Tony Estanguet, presidente do Comitê Organizador de Paris-2024.