Imagine uma seleção invicta em todos os jogos das Paralimpíadas, desde que a modalidade passou a integrar o programa da competição. Ou seja, que nunca perdeu nada, em nenhuma edição. E que é a única no mundo a ganhar todas as medalhas de ouro. Parece inverissímil mas não é. Essa seleção existe e é do Brasil: a seleção brasileira de futebol de 5, para cegos, inicia hoje a luta pelo hexacampeonato contra a Turquia, vice-campeã europeia, a partir das 13h30 (horário de Brasília), na Arena da Torre Eiffel. Todos os 12 mil ingressos para todos os jogos desta modalidade já foram vendidos.
O entrosamento entre os dois, que já rendeu quatro ouros, desde Pequim-2008, recebeu um refinamento diferente para este ciclo. É que essa será a primeira edição de Jogos Paralímpicos sob a mudança de regra que reduziu o tempo de jogo para duas etapas de 15 minutos cada, cronometrados (o relógio para quando a partida é interrompida). Até 2022, eram dois períodos de 20 minutos. Segundo o técnico do Brasil, Fábio Vasconcelos, a regra prejudica as equipes mais técnicas e com elenco mais forte:
– Nos prejudica porque temos um grupo homogêneo. Rodo bastante a equipe, rodava mais ainda e mantinha o nível. Muitos países não possuem essa oferta de jogadores – opina o treinador e ex-goleiro da seleção. – Aproveitávamos para trocar bastante passes, girar a bola de um lado ao outro. Isso cansava o adversário e conseguíamos decidir muitos jogos nos finais das partidas. Agora precisamos ser mais individualistas, tentar decidir o jogo mais rapidamente, o que o torna mais feio, na minha opinião.
Ele acredita que o jogo passou a ter mais contato, menos troca de bola e que muitos países tentam empatar os jogos para levar aos pênaltis. Ele explica:
– Pega um time com quatro, cinco jogadores no máximo (e não dez bons), que joga o campeonato todo fechado lá atrás, jogando por uma bola e, se não fizer o gol, leva para os pênaltis. Antigamente, quem não tinha elenco ficava pelo caminho – fala Fabio, que diz não entender o porquê da mudança. – Só penso que foi para prejudicar as grandes seleções, não só o Brasil, mas aquelas que sempre chegavam nas finais das principais competições. Nivelou por baixo.
Seleção permanente
Para tentar amenizar essa situação, o Brasil fez preparação inédita para Paris-2024. Desde março se concentrou em esquema de seleção permanente em João Pessoa, na Paraíba, em parceria com a CBDV (Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais). Lá, os jogadores treinaram com bola de segunda a sábado, em dois períodos. Antes, se reuniam uma vez por mês por cerca de dez dias.
Para Jefinho, que sofreu com contusões nos últimos anos, a estratégia o ajudou na parte física. Diz que está melhor agora do que em Tóquio.
Para Jefinho, a nova regra "prejudicou a modalidade, o espetáculo" e que outras seleções também não gostaram. Mas, aponta a "mentalidade vencedora" do Brasil como diferencial.
– Estar invicto não é um peso. Estatística não entra em quadra. Nosso grupo é experiente (somente dois atletas estreiam na Paralimpíada) e isso nos ajuda na questão da mentalidade vencedora – diz ele. – Mas, os adversários estão chegando junto. Acredito que esses Jogos Paralímpicos serão o mais equilibrado da história.
Tanto Fábio, quanto Jefinho apontam a Argentina e a China, atuais campeã e vice mundial, além da Colômbia, campeã do Grand Prix, como os principais rivais em Paris.
Além da Turquia, vice-campeã europeia, o Brasil vai enfrentar ainda pelo Grupo A a França, campeã europeia, e a China, campeã asiática e algoz dos brasileiros na semifinal da Copa do Mundo de Birmingham 2023. Em Paralimpíadas, a Turquia perdeu para o Brasil duas vezes: por 4 a 0 em Londres-2012 e por 2 a 0 na Rio-2016.
Na chave B, estão Argentina, Colômbia, Japão e Marrocos. Os dois melhores de cada chave vão às semifinais, que serão disputadas no dia 5. A final está marcada para o dia 7 de setembro.
Fábio, que participou das cinco conquistas paralímpicas, três como goleiro e duas como treinador, fala que não teve edição fácil. Lembra que em Atenas-2004, o Brasil ganhou da Argentina nos pênaltis. Em Pequim-2008, contra a China, teve prorrogação e, faltando trinta segundos, o Brasil fez o gol do título. Na semifinal de Londres-2012, também precisou dos pênaltis para avançar. E na Rio-2016, contra o Irã, e em Tóquio, contra a Argentina, as vitórias foram por 1 a 0.
– O futebol de cegos evoluiu muito. Viemos para brigar pelo ouro, mas o mundo todo está estudando o Brasil. Então, favoritismo, a gente deixa para o lado de fora.