PARÁBOLAS
Humberto de Campos
Em matéria de parábolas, eu conhecia, apenas, as que o Nazareno arquitetou para edificação dos seus discípulos: a do bom samaritano, a do filho pródigo, a do semeador, e três ou quatro outras, igualmente profundas e morais. Agora, acabo de conhecer mais umas duzentas, contidas em um volume encantador, publicado há dois dias pelo Sr. Dr. Afrânio Peixoto.
As "Parábolas" do brilhante romancista da "Maria Bonita" e da "Esfinge" são, como todas as parábolas bem urdidas e meditadas, um excelente repositório de "ensinamentos, de exemplo", de lições adaptáveis à vida dos homens. E entre elas nenhuma é, talvez, tão humana, tão sábia, nem tão oportuna, como a do melro e do tico-tico. "Descobri num arbusto, quase à beira do caminho, no meu jardim — escreve o autor, — um ninho de tico-tico. Vi-o voar, quando me aproximava, e pude notar três ovinhos depostos na fofa cama bem feita. Pareceu-me que um dos ovos era diferente na forma e na cor, dos outros dois, mas não insisti na minha malícia. Seria lá com o tico-tico. Não perturbei mais o mistério dessa maternidade com a minha indiscrição. Muitos dias depois, distraído, vou pelas mesmas bandas e ouço inquieto pipilar. Pé, ante pé, chego à espreita: o tico-tico depois de saltitar de galho em galho, acerca-se do ninho, trazendo no bico a nutrição para a ninhada que o chamava sôfrega. Olho paro o ninho e vejo um passarinho só, grande, bem maior que o outro, vestido de penugem negra, de amplo bico aberto, à espera de alimento... O filho do tico-tico era um melro!"
Entusiasmado com essa página de Afrânio Peixoto, eu acabava de lê-la para a admiração do desembargador Bernardo Meireles quando o velho político do Império me interrompeu, indagando:
— Como se chama essa história?
— Parábola, desembargador.
— Parábola? — trovejou o ancião, fazendo ressoar no soalho o seu bengalão de maçaranduba, e agitando, num tremor subitâneo, as barbas veneráveis. — Que parábola, o quê!?...
E acentuou, indignado:
— Uma grande patifaria, é que é!
E chamando os oito netinhos, filhos da mesma filha, começou a distribuir biscoitos por esse pequeno viveiro humano, em que havia, cantando, pipilando chilreando, melros, canários, tico-ticos, cambachirras, curiós...