Eu só queria entender
Amanhã, 14 de fevereiro do ano de 2022, finalmente voltaremos a ver as imagens diferentes em muitos lugares deste país continental. As crianças começaram a voltar a assistir aulas presenciais – e isso muda muita coisa.
Ainda existem lugares onde os pais continuam comprando o material escolar a partir daquela extensa lista que muitos de nós conhecemos. Conhecemos como pais e como alunos. Mas, não deixa de ser verdade que, em muitos lugares parte desse material é doado, graças aos projetos da educação.
O galo canta e Joshua acorda e levanta. Escova os dentes, toma café preto com nada, ao tempo que a mãe o ajuda a se vestir. Faltam poucos minutos para a lancha que transporta a meninada ribeirinha fazer a sua primeira das duas viagens. Duas de ida e duas de volta – para evitar naufrágio, como quase sempre acontece.
Na cidade chamada grande, a rotina não é completamente diferente. É verdade que há diferença em poucos itens. Mas há.
Diferente de Joshua (nome que os pais “pescaram” na Bíblia, por serem evangélicos), João Muniz, filho da professora maranhense Helena Cawpy e do paraibano Clébio, também se prepara para ir à escola. Não acorda tão cedo, pois estuda no turno vespertino, mas tem que “cuidar da vida e, principalmente, das tarefas escolares”.
Curioso para aprender tudo, João aproveitou uma rápida visita que fiz à casa dos pais dele e me bombardeou com algumas perguntas. Ele, João, acha que alguns sabem tudo e que outros não sabem nada. Não sei em qual lugar ele me situa.
– Zé, para que serve o desnecessário?! Perguntou João.
Fiquei atordoado com a pergunta que partiu dele. Pergunta inusitada por conta da idade dele e por estar cursando apenas o quarto ano (antigo quarto ano primário). Procurei ganhar tempo, fingindo que não havia entendido a pergunta:
– Como assim desnecessário, João?!
E ele voltou à carga:
– É. Essas coisas que não servem pra nada e a gente continua usando. Algumas letras, por exemplo.
Eu queria entender melhor para não deixar João sem resposta, mesmo sem saber em qual grupo ele me classifica (no grupo dos que sabem de tudo ou no grupo dos que não sabem de nada):
– João, me dê um exemplo disso!
Sem se fazer de rogado, João deu o show dele.
– Zé, na nossa língua ou na língua de outros, por que a necessidade de manter as “letras de som mudo”?
E continuou a pergunta, dando exemplos. Veja o nome da minha professora: Fani Knoploc. Mas a gente fala é “Fani Noploc”. E, na língua inglesa: “Know-how”, que a gente pronuncia “norrau”!
Difícil tentar convencer João do contrário. Ele tem razão, sim!
– Zé, quer ver outra coisa desnecessária, que continua sendo usada?
Querendo encontrar um motivo para encerrar aquele papo que não acabaria bem pra mim, autorizei:
– Diga lá, João!
E ele falou com tamanha convicção, que eu não tinha motivo para continuar:
– Zé, pra que serve Mestrado ou Doutorado para Professor, se alguns não sabem o que ensinam?
E eu, ó: – ???!!!
João vai voltar a frequentar a escola de forma presencial. Segundo ele, desejando rever alguns amigos e, claro, amigas – João é “chegado”!