Os cavacos choram o ano inteiro pelas ruas e esquinas da cidade num dos mais genuínos encontros cariocas: a roda de samba. Da Barra a Madureira, diferentes gerações de músicos reúnem fãs da causa reverenciando mestres e abrindo espaço para o novo, fazendo a roda girar.
— Acho que desde que surgiu o Samba do Trabalhador em 2005, esse jeito de fazer roda de samba cresceu bastante. O carioca sacou a importância disso, o cara que vai para a roda se sente parte do grupo. A garotarada está muito ligada na velha guarda, e isso é bom — diz Moacyr Luz, uma espécie de guru de rodas de samba no Rio.
Samba do Peixe
“A gente faz um peixe!”, disse o dono da Toca do Baiacu, na Rua do Ouvidor, quando um time de músicos despretensiosamente planejava começar uma roda de samba em frente ao bar, há cerca de um ano e meio.
— O (Eduardo) Gallotti é louco por peixe. Fizemos a primeira, as pessoas começaram a vir, e se tornou essa coisa fora do controle. Criamos um monstro — brinca Chico Alves, uma das vozes do grupo, que promove o samba em um domingo “surpresa” por mês, divulgado no Facebook.
— A gente tem um lance bem bacana, que são as diferentes formações musicais minha, do Gallotti e do Ernesto (Pires). Isso gera uma mistura legal para a roda. Cada edição é uma surpresa — diz Alves.
O repertório adotado pela roda inclui lados B, clássicos de bambas como Mauro Duarte, Roberto Ribeiro e Roque Ferreira e sucessos que estão na boca do povo. Além de Alves, Gallotti e Ernesto Pires, participam do grupo Thiago Pratinha, Anderson Balbueno, Guilherme Pecly e Paulo Maudonet.
Samba do Bilhetinho
A galera que começou o Bilhetinho pulou de bar em bar, em Botafogo, até se consolidar no Fuska Bar, no Humaitá. Os integrantes chegaram a ser quase expulsos de um deles porque o barulho incomodava uma vizinha .
— Um dia a gente estava fazendo um partido-alto e juntou uma galera de capoeira em volta, com umas meninas. Quando elas foram embora, deixaram dois bilhetes para gente com telefones — conta Murillo Sabino, um dos percussionistas, explicando o batismo do grupo.
Com 17 músicos, o Samba do Bilhetinho, toda quinta, a partir das 19h, é uma das quatro rodas que animam o boteco na esquina da Rua Visconde de Caravelas com a Capitão Salomão. O samba é acústico, com muitos vocais, e privilegia sambas de terreiro, partido-alto e sambas de escolas como Salgueiro, Mangueira, Portela e Império Serrano.
Cozinha Arrumada
Há cerca de um ano é o grupo Cozinha Arrumada que dá o tom das sextas-feiras no Bar dos Irmãos, no Catete, a partir das 21h. Liderado pelo cantor e cavaquinista João Borsoi, o Cozinha lota o trecho em frente ao número 371 da Rua Pedro Américo com um repertório de samba “mais pagodeado”, como explica Borsoi, na linha do grupo Fundo de Quintal e de João Nogueira.
— É um clima de noitada, com pessoas de todas as idades. A gente faz algumas coisas que fogem do roteiro tradicional das rodas, como uma versão pagodeada de uma música do Black Alien, por exemplo — diz o músico.
Outra grata surpresa é a inserção de um trombone de pisto nas mãos de Antônio Neves, que também cuida da percussão ao lado de Lucas Videla, Marcos Antônio e Cadinho Caramujo. No violão, Daniel Ganc completa a mesa.
Além do samba no Bar dos Irmãos, o Cozinha Arrumada também toca na Praça Cardoso Fontes, junto ao Armazém Cardosão, em Laranjeiras, todo segundo sábado do mês, e no restaurante Santa Pizza, em Santa Teresa, todo domingo.
Projeto Criolice
Presente na Arena Fernando Torres, no Parque de Madureira, todo terceiro domingo do mês, às 15h, o Criolice ultrapassou a roda de samba e se tornou um projeto consolidado que reúne, em média, segundo a organização, 1.500 pessoas. Além da música, tem feira de artesanato com cerca de 20 expositores e uma parte gastronômica com quitutes como acarajés, churrasquinhos e caldos.
— O projeto nasceu da necessidade de se fazer uma roda com mais profissionalismo, com músicos mais empenhados e comprometidos, com um repertório de qualidade. A maioria das expositoras são mulheres que antes estavam desempregadas e hoje fazem do projeto parte seu sustento — conta Vander Araújo, um dos coordenadores do Criolice.
Samba Independente dos Bons Costumes
Um israelense que aprendeu violão no Acre, um músico de fanfarra, um mestre de bateria: a variedade de bagagens do grupo moldou o repertório eclético do Samba Independente dos Bons Costumes, que ocupa a Fundição Progresso, toda quinta-feira, em rodas que rolam até 4h da matina (entrada gratuita até as 22h, e R$ 10, depois).
— Quem disse que a gente não pode fazer uma versão instrumental de Caymmi, passando por um BaianaSystem, dialogando com Dona Ivone Lara, partindo para Luiz Gonzaga e depois terminar com axé? — diz Vandro Augusto, intérprete do SIBC, que foi criado há quatro anos, no dia de São Jorge.
O cantor também falou sobre a "responsabilidade" de quem faz rodas de samba.
— O samba é uma ferramenta política, social, uma ferramenta transformadora que tem uma capacidade de comunicação absurda. O samba é uma entidade, é grandioso. A gente respeita o samba, respeita os mais velhos que vieram atrás. Ao sentar numa roda, você carrega uma responsabilidade muito grande. É muito importante a gente ter sempre isso em mente — afirma.
Gloriosa
Há quatro anos, no terceiro domingo de cada mês, a roda de samba comandada pelo craque Paulão 7 Cordas dá um charme a mais à Feira da Glória, a partir das 16h. Com frequência, há participações surpresa de sambistas que pintam por lá. Este domingo, Dia do Samba, tem edição extra, e, além da Gloriosa, tocam Sambastião e Pagode do Time de Crioulo.
— Tocamos uns dois ou três choros, o resto é samba. A Gloriosa nasceu do Bloco Arteiros da Glória. Hoje é misturada, vem bastante gente da área e alguns músicos de peso aparecem de vez em quando — conta Paulão.
Casa de Marimbondo
A cuíca de Byron Prujansky e a flauta transversa de Cauã Waismann são alguns diferenciais das rodas promovidas pelo grupo Casa de Marimbondo no Bar da Nalva, na Rua Sílvio Romero, na Lapa, nas noites de sexta, às 21h30m. A casa costuma ficar cheia e sobra gente na calçada, mas perto o suficiente para cantar junto as músicas conhecidas.
— O grupo surgiu de um encontro de amigos que a música e o samba uniram. Buscamos manter viva a cultura do samba de rua carioca com roda e povo cantando junto. O repertório passa por grandes compositores — diz o violonista Vitor Goes, citando Dona Ivone Lara, Candeia, Wilson Moreira e Martinho da Vila entre as inspirações.
Rodas do Vaca Atolada
No número 533 da Avenida Gomes Freire, coração da Lapa, o bar Vaca Atolada abriga rodas de samba de terça a sábado, a partir das 19h, mas o xodó da casa é Margarete Mendes, que faz do Caldeirão do Vaca Atolada (no segundo sábado e na terceira sexta-feira do mês) um sucesso.
— Eu não passei pela Lapa, eu sou a Lapa. Para ficar na Lapa tem que ter sabedoria. Fico muito satisfeita de ter um público jovem muito forte — diz a cantora, que coloca divas do samba no repertório, como Jovelina Pérola Negra, Dona Ivone Lara e Clara Nunes.
Samba da Gávea
É quase um samba privê, num espaço para apenas 50 pessoas, o restaurante Da Casa da Táta (Rua Manoel Ferreira 89). Chegando cedo, porém, é possível garantir um bom lugar perto dos músicos, entre eles nomes como Alfredo Del-Penho, Luís Felipe de Lima e João Cavalcanti, que se reúnem, há cerca de um ano, toda segunda-feira, às 20h, com ingresso a R$ 30.
— É uma proposta diferente, mais intimista, acústica. É também um espaço em que nós e compositores amigos apresentam músicas novas— diz Del-Penho.
Na Linha do Mar
A Barra não é lá um berço de bambas, mas faz algum tempo que o morador do bairro não precisa cruzar o túnel para encontrar boas rodas. Uma delas é a do grupo Na Linha do Mar, que anima os domingos no Brewteco da Av. General Guedes da Fontoura, em pleno burburinho da Olegário Maciel, no Baixo Barra.
Antes mensal, o samba já está marcado para todos os domingos de dezembro a fevereiro.
— Tocamos muita coisa dos mestres Cartola, Noel Rosa, Dorival Caymmi, Paulinho Viola e Chico Buarque, entre outros, além de Fundo de Quintal e Zeca Pagodinho, e coisas dos anos 80. Na primeira vez em que tocamos tinha só uma mesa assistindo. Agora, é sempre casa cheia — conta Júnior, o cavaco da roda na Barra.