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"Esse momento é ideal para os governos replanejarem ações, investirem em uma educação conectada e em formação que vai gerar novas maneiras de conceber o ensino e a aprendizagem, trazendo qualidade e equidade".
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Se dos jovens e das crianças dependem as ações para manter o planeta, o investimento em sua educação é essencial. E buscar levá-los para o centro do processo de aprendizagem é mais do que uma estratégia: trata-se de uma missão que os professores mais comprometidos encaram para garantir a formação de cidadãos do futuro, preocupados com o desenvolvimento sustentável e com a igualdade social. Professora da rede pública de São Paulo, Débora Garofalo faz parte deste time. Com o projeto que criou e implantou na Escola Municipal de Ensino Fundamental Almirante Ary Parreiras, o Robótica com Sucata, foi finalista do Global Teacher Prize em 2019, prêmio internacional considerado o Nobel da Educação. Este ano, o projeto virou política pública para 2,5 milhões de alunos no estado e culminará na criação do primeiro centro de inovação da educação paulista.
Débora explica que o local está preparado para atender 3 milhões de estudantes e o primeiro de 15 centros está em funcionamento mesmo em meio à pandemia do novo coronavírus, de maneira híbrida. Em entrevista ao Correio, a professora fala sobre o sucesso da iniciativa, o enfrentamento da crise sanitária e as perspectivas da educação para 2021. “Sem dúvida, este momento é ideal para os governos replanejarem ações, investirem em uma educação conectada e em formação que vai gerar novas maneiras de conceber o ensino e a aprendizagem, trazendo qualidade e equidade.”
O “Robótica com sucata” virou política pública. O que isso significa?
Significa muito à educação pública brasileira. Primeiro, é a valorização de um trabalho que teve inicio no chão da escola pública e em uma comunidade vulnerável, e que se mostrou replicável, saindo de uma modalidade de um projeto para ser tornar uma metodologia de ensino com dados comprovados. Mostrou novas maneiras de lidar com a aprendizagem e democratizando o ensino de cultura maker, de programação e de robótica, permitindo que o estudante participe de um problema real e mobilizando diversos conhecimentos para solucioná-lo. Outro aspecto é ter a oportunidade de replicar esse trabalho a 2,5 milhões de estudantes, como uma política pública efetiva, permitindo um ensino significativo e conectado aos novos tempos.
Como o projeto ajuda no desenvolvimento dos estudantes?
O trabalho de robótica com sucata é pautado em diversas frentes inovadoras, permitindo a articulação de ações, e trabalhando com os estudantes na esfera de valores integrais, como o desenvolvimento de habilidades socioemocionais: autogestão, autocuidado, empatia, colaboração, amabilidade, resoluções de problemas; mas também socioemocionais híbridas, como o pensamento crítico e a criatividade. Além de trazer a inovação para dentro da sala de aula, ao permitir que o eixo do pensamento computacional seja trabalhado na cultura maker, programação e robótica, em que os estudantes atuam como protagonistas da sua aprendizagem. Eles saem da passividade, assumindo o centro do processo cognitivo, tendo a oportunidade de vivenciar uma educação que seja significativa, mas que também conecte as áreas do conhecimento a partir de um trabalho interdisciplinar, sem deixar aspectos transversais de lado. Desta maneira, o trabalho integra uma educação integral conectada ao projeto de vida dos estudantes.
No próximo ano, a criatividade e o pensamento crítico serão inseridos como critérios de avaliação no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês). Projetos como o Robótica com Sucata podem contribuir no desenvolvimento dessas competências?
A criatividade e o pensamento crítico são temas essenciais e precisam estar inseridos no cotidiano escolar. O trabalho de robótica com sucata traz, em sua essência, o desenvolvimento da criatividade e do pensamento crítico ao permitir que os estudantes atuem na construção de problemas reais e problemas do território educativo. Eles têm a oportunidade de trabalhar com os colegas, mas usando a cultura maker como porta de entrada à resolução dos problemas, ao permitir idealizar, criar, recriar, consertar, fabricar, errar, pensar e repensar, trabalhando em conjunto as diversas áreas do conhecimento. Assim, o estudante está sempre criando, mas, também, se questionando sobre suas criações.
O fato de ter sido finalista do Global Teacher Prize 2019 ajudou?
Sim, o trabalho recebeu 12 premiações e ficou reconhecido internacionalmente, passando por um júri internacional que o atestou como altamente replicável. Toda essa divulgação e o interesse de outros países, como Argentina, Londres, Estados Unidos e França, em replicar o trabalho contribuiu para sua efetivação como uma política pública. Mas, a maior vitória que atribuo é a possibilidade de democratizar o acesso, permitindo que o trabalho seja realizado a partir de uma perspectiva sustentável, aliada ao uso de componentes eletrônicos, trazendo a questão dos ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável), mas, também, do reaproveitamento do lixo eletrônico.
Este ano, o vencedor dividiu o prêmio com os demais finalistas. O que achou da iniciativa?
Achei incrível a atitude do professor indiano Ranjitsinh Disale, que tem um trabalho belíssimo no campo da educação básica na Índia e que luta para a inserção das meninas na educação, problema em parte do país. Ele mostrou a preocupação em reconhecer os demais finalistas pelos seus trabalhos, dando a eles a oportunidade de continuar e investir em seus projetos e, principalmente, de replicá-los.
O Brasil teve outra finalista em 2020. Qual a importância desse reconhecimento, ainda mais neste contexto de pandemia?
O trabalho da professora Doani Emanuela Bertan é essencial, por lidar com a inclusão e por permitir romper barreiras, com o ensino de Libras, e também com os estudantes surdos, realizando vídeos com as diferentes áreas de conhecimento para que pudessem prosseguir com seus estudos e acompanhar atividades. A pandemia traz a oportunidade de repensarmos a educação, e a professora Doani teve o olhar de democratizar o acesso aos estudantes na pandemia.
Como a tecnologia vai ajudar os professores daqui em diante e quais condições escolas e governos precisam assegurar para que eles consigam desenvolver um bom trabalho?
A tecnologia veio para ficar, mas é necessário compreender o seu papel na educação. Ela deve ser usada como uma propulsora ao processo de aprendizagem. É essencial entender que existem diversos caminhos para o trabalho e diferentes tipos de tecnologia que podem ser aplicadas na educação, como a social, que envolve o território educativo e seus problemas, além do que ela nunca deve vir isolada. Faz-se necessário o trabalho com as metodologias ativas. Com a pandemia, em um primeiro momento, tomamos um grande susto. Ninguém podia imaginar o ensino mediado por tecnologia. Depois, veio o receio de usar a tecnologia, por acreditar que era necessário um domínio. Após isso tudo, veio a superação e a necessidade de se reinventar para não deixar nenhum estudante para trás, mas isso escancarou as desigualdades sociais e a necessidade de investimento em infraestrutura e conectividade. Além de enfatizar a necessidade de formação docente para o desenvolvimento de competências digitais, e que contemple os diferentes atores e suas reais necessidades. Também é necessário rever a formação inicial do professor e inserir a cultura digital e o pensamento computacional, para que se sintam melhor preparados.
Quais barreiras surgiram durante a pandemia nas escolas?
Surgiram muitas barreiras, entre elas a dificuldade de acesso, a conectividade e a infraestrutura. Sem dúvida, esse momento é ideal para os governos replanejarem ações, investirem em uma educação conectada e em formação que vai gerar novas maneiras de conceber o ensino e a aprendizagem, trazendo qualidade e equidade.
Que orientações daria para professores que pretendem desenvolver projetos com os alunos? Isso pode ser feito em qualquer etapa do ensino?
O trabalho pode ser desenvolvido em qualquer etapa de ensino, e sempre digo que é preciso que nós, professores, possamos dar o primeiro passo para iniciar um trabalho mão na massa, permitindo-se aprender com os estudantes. Outra forma é conceber um espaço que seja acolhedor à aprendizagem, com reorganização de mobiliário, que contemple as habilidades socioemocionais e socioemocionais híbridas. E que envolva as metodologias ativas e suas modalidades, que vão desde a resolução de problemas, aprendizagem baseada em projeto, sala de aula invertida, ao ensino híbrido. Isso tudo deve envolver o território educativo.
Que perspectivas vê para a educação no Brasil em 2021?
Teremos grandes desafios na educação em 2021, como recuperar a aprendizagem, cuidar da evasão escolar, reduzir as desigualdades sociais e tecer novos caminhos à transformação da educação. Um dos caminhos para 2021 será o ensino híbrido, em que será necessário, em dois cenários, em uma possível retomada gradual das aulas, mesclar o ambiente presencial com o remoto. E, em um segundo momento, recuperar a aprendizagem, sendo necessário garantir plataformas e tecnologias adequadas, trilhas formativas, formação docente, integração e articulação de conteúdos, investimento em conectividade e equipamentos, maneiras de engajar os estudantes e maneiras de fugir do modelo de ensino expositivo.
Proteger o planeta
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima, e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Eles integram a Agenda 2030 no Brasil, plano de ação elaborado em conjunto por líderes mundiais em 2015, durante reunião na sede da ONU, em Nova York.