O boxe praticamente gabaritou nos Jogos Pan-americanos de Santiago-2023. De 13 categorias, entre os naipes feminino e masculino, foi ao pódio em 12. Bateu o recorde de medalhas e de ouros. Nas nove finais disputadas nesta sexta-feira, ganhou quatro. É a modalidade do Brasil com maior destaque da competição até aqui, ao lado da ginástica artística (14 medalhas, porém em mais disputas).
O boxe, no entanto, teve aproveitamento de 92,3%, classificou nove atletas para Paris-2024 e terminou em primeiro lugar no quadro de medalhas da modalidade (quatro ouros, cinco pratas e três bronzes), à frente dos EUA (seis no total, duas de cada cor) e Cuba (quatro, sendo duas de ouro, uma de prata e uma de bronze). Diferentemente da ginástica, as disputas do boxe se deram entre os melhore das Américas, sem times B ou desfalques. É uma façanha e tanto.
Em Tóquio-2020, o boxe já havia sido destaque para o país, com três medalhas, ao lado do skate e natação. Mas, Mateus Alves, treinador chefe da seleção permanente de boxe, não se ilude e diz que o reconhecimento não mudará.
— A mudança que gostaria é em relação ao reconhecimento e visibilidade para os atletas. Infelizmente temos de aceitar que não mudará, que não vamos ser como outros esportes como a ginástica— lamenta Mateus, que diz que não há milagre para a enxurrada de medalhas. — Isso aqui é esporte profissional e existe um processo. É preciso treinar, ter disciplina, rotina, constância, gastar dinheiro, investir. Ou não tem medalha. Não existe conto de fada, treino no quintal e pódio.
Ontem, teve show das mulheres: Beatriz Ferreira (60kg), Caroline Almeida (50kg), Jucielen Romeu (57kg) e Barbara Santos (66kg) conquistaram o ouro. Os medalhistas de prata foram: Tatiana Chagas, Keno Marley (92kg) e Wanderley Pereira (80kg). Contundidos, Michael Douglas (51kg) e Abner Teixeira (92kg) não fizeram suas lutas e ficaram em segundo. Os bronzes foram para Luiz Oliveira (57kg), Yuri Falcão (63,5kg) e Viviane Pereira (75kg).
— Nossa equipe feminina é monstruosa, fiquei muito satisfeito. Hoje, o Brasil e a Colômbia são as potências nas Américas no feminino. Os EUA, que tiveram três gerações que não tinha como ganhar, estão em entressafra. Mas faltou o ouro no masculino e isso está me mantando. Só me falta essa medalha como treinador — comenta Mateus, que, no entanto, não se arrepende de ter cortado os dois atletas contundidos de suas finais.
A marca anterior do boxe em Pans era de nove pódios, em São Paulo-1963, época em que era a modalidade era exclusiva masculina. Em Lima-2019, o Brasil havia conquistado cinco medalhas (um ouro, três pratas e um bronze).
Beatriz, a estrela da seleção feminina, afirma que além do trabalho, os atletas da seleção têm mentalidade vencedora, "querem chegar lá". Também chamou a atenção para a união do grupo. Nesta sexta-feira, a seleção inteira, incluindo a comissão técnica, comemorou o excelente desempenho em cima do ringue e com megafone. Ela disse que finaliza suas participações em Pan-americanos com chave de ouro:
— Estamos treinando muito, nos dedicando. Está todo mundo querendo ir para Paris e comer croissant. O segredo é esse: treino e dedicação — diz a atleta, que após Paris-2024 se dedicará aos boxe profissional. — A gente treina junto, mora junto. Por isso que eu falo que se um consegue, todos conseguirão.
Seleção permanente
Mateus lembra que desde 2009, com a introdução da seleção permanente, há três ciclos olímpicos, o Brasil já ganhou sete medalhas olímpicas e 12 em Mundiais. Londres-2012, com três, quebrou tabu de 44 anos. A última tinha sido em México-1968, com Servílio de Oliveira (bronze).
Os integrantes da seleção moram em São Paulo, em seis casas. Antes, a seleção se reunia para as competições internacionais por meio de convocação.
— Á época se criticou a introdução de equipe permanente. Mas é assim que se tem resultado, com atletas e comissão técnica fixos. Não tem boxe em clube, Sogipa, Flamengo, Minas ou Pinheiros. A modalidade não está no rol do Ministério da Educação, dos Jogos da Juventude. Quem está aqui é filho ou filha de boxeador ou treinador, de projetos sociais ou de algum programa de Prefeitura. Essa é a realidade e tudo bem.
Caroline disse que há dois anos, desde que entrou na seleção permanente, sua carreira deslanchou. Além do ouro em Santiago, obteve bronze mundial e prata no sul-americano.
— Estou em uma escada subindo e o topo será Paris — fala a campeã, que elogia o treinador: — O Mateus consegue unir toda a equipe e ao mesmo tempo tirar o atleta da zona de conforto.
Aos 31 anos, Tatiana disse que a seleção permanente mudou sua vida financeira e sua motivação. Ela quase parou de lutar quando duas academias em que treinava fecharam.
— Quando recebo um 'não' é que fico mais forte — diz a medalhista — Espero que depois deste Pan, a gente seja abraçado, reconhecido. É muito esforço, sabe? A seleção mudou minha vida financeira mas principalmente minha vontade. Eles acreditam no meu sonho. E Paris está aí.
Luiz Oliveira, o Bolinha, espera que o desempenho histórico do boxe em Santiago-2023 ajude a mudar essa dinâmica:
— Infelizmente o Brasil não olha muito para o boxe, mas não sei agora. Estamos fazendo o boxe crescer há alguns anos, então espero que olhem mais para a gente — sonha Bolinha, que mesmo neto de Servílio, não conheceu caminhos "encurtados" — O fato do meu avô ter sido medalhista olímpico não me facilitou em nada, apesar da história da minha família ser motivo de orgulho. O que me fez chegar até aqui foi trabalho, estrutura e disciplina. E o que nunca faltou foi amor ao que faço.
*A repórter viaja a convite da Panam Sports