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Corpo do sacerdote foi encontrado perto da casa paroquial, que está em obras
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A Polícia Civil acredita que a morte do padre Kazimierz Wojno, 71 anos, conhecido como Casemiro, tenha sido premeditada. Ao menos quatro pessoas participaram do latrocínio (roubo seguido de morte) do religioso. Articulados, os criminosos montaram uma emboscada para o sacerdote e o abordaram após a missa de sábado, na Paróquia Nossa Senhora da Saúde, na 702 Norte. Ontem, investigadores da 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte) interrogaram possíveis suspeitos de terem cometido o crime.
Os homens abordaram o padre próximo à casa paroquial, que está em obras, ao lado da residência dele. Em seguida, renderam e amarraram um funcionário da paróquia, José Gonzaga da Costa, 39. Cerca de duas horas depois, ele conseguiu se libertar e acionar outros trabalhadores do templo, fazendo com que os bandidos fugissem com alguns itens de valor, segundo a apuração preliminar dos investigadores.
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"Foi um crime cruel. Não havia a menor necessidade de ceifar a vida dele. Poderiam tê-lo prendido em um cômodo"
Laércio Rossetto, delegado
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O padre foi encontrado morto, com arames no pescoço e pés e mãos amarrados. Laudo preliminar do Instituto de Medicina Legal (IML) indica que o religioso morreu por estrangulamento. Os policiais acreditam que os suspeitos sabiam da existência dos itens de valor do templo, inclusive de um cofre que o sacerdote mantinha em casa, que foi arrombado com uma barra de metal. Havia muitas ferramentas no local, por causa da reforma; então, existe a hipótese de os bandidos terem aproveitado equipamentos que estavam lá.
“Trabalhamos com a hipótese de que eles (os criminosos) tinham informações privilegiadas. Tudo isso vai ser levado em consideração para configurarmos suspeitos. Acreditamos que eles conheciam a rotina da vítima”, informou o delegado à frente do caso, Laércio Rossetto. Para o policial, os criminosos foram à paróquia com a intenção de cometer o assassinato. “Foi um crime cruel. Não havia a menor necessidade de ceifar a vida dele. Poderiam tê-lo prendido em um cômodo”, por exemplo”, frisou.
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Tristeza e pesar eram nítidos nos fiéis que compareceram à igreja ontem
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O funcionário da igreja sofreu escoriações nos braços e nas mãos e precisou ser levado ao Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Durante a manhã de ontem, ele auxiliou os agentes na perícia, indicando como ocorreu a dinâmica do crime. “Interrogamos testemunhas e possíveis suspeitos. Também tivemos acesso a imagens que mostram os criminosos deixando o local”, ressaltou o delegado.
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Padre Casemiro era conhecido pelo gênio forte e pelo sotaque
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Violência
Esta não é a primeira violação à Paróquia Nossa Senhora da Saúde: em abril deste ano, a igreja foi invadida. No domingo de Páscoa, o sacrário da casa, estimado em cerca de R$ 20 mil, foi furtado e encontrado três dias depois sendo negociado em um ferro-velho em Samambaia. Os policiais ainda não conseguiram estabelecer ligação entre os crimes. Entretanto, não descartam nenhuma possibilidade. Segundo a Secretaria de Segurança do Distrito Federal, foram registrados 163 furtos a templos religiosos neste ano, 8,7% a mais do que em 2018.
Ao Correio, fiéis contaram que, na missa de sexta-feira (20/9), o padre comentou a violência. “A área está muito perigosa. Temos diversos relatos de furto de veículos durante as missas ou casamentos. Precisou acontecer uma tragédia para todos darem atenção”, reclamou um frequentador do templo religioso, que preferiu não se identificar.
Desde a noite do latrocínio, equipes da Polícia Civil estão na rua para tentar prender os responsáveis. “O esforço é grande para elucidar esse crime. Temos a área criminalística, peritos e agentes trabalhando nesse caso e fazendo varreduras”, garantiu Rossetto.
Despedida
Sacerdotes da Igreja Católica se mobilizam para realizar o sepultamento do padre Casemiro. A maior dificuldade foi entrar em contato com parentes da vítima, que moram na Polônia. “Este ano, familiares vieram visitá-lo. Por causa dessa proximidade, não podíamos tomar qualquer decisão antes de consultá-los”, explicou o padre João Firmino, colega de Casemiro. O corpo foi liberado pelo IML (Instituto Médico Legal) na noite de ontem. A Embaixada da Polônia auxiliou a localizar a família. Após contato com parentes, o velório e o sepultamento do padre ficaram marcados para hoje. Confira a programação:
» Das 8h às 8h30: chegada à paróquia para o velório
» Às 10h: missa do clero
» Às 14h: missa celebrada por Dom Sérgio, arcebispo metropolitano de Brasília
» Às 15h: encomendação do corpo
» Às 16h: saída para o Cemitério Campo da Esperança
» Das 16h30 às 17h: sepultamento.
Perfil
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O padre João Firmino
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A fiel Ceoliles Gaio, aposentada
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Casemiro ajudou a construir a igreja
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Apaixonado por construção
Padre Casemiro dedicou 46 anos ao sacerdócio, tendo começado a vida missionária ainda na Polônia. Ontem, pelo menos 17 portais de notícias poloneses repercutiram o assassinato do padre no Brasil. Infelizmente, o fim da vida dele fica marcado pela violência brutal; no entanto, o sacerdote deixa muitas outras lembraças. Quando não estava de batina, era quase irreconhecível. Após os cultos, trocava o traje religioso e passava a usar bermuda, camiseta, sandália e chapelão de palha. Apaixonado por construção civil, a vestimenta simples era usada nas intermináveis obras da paróquia, das quais ele fazia questão de participar.
“Não tem uma pedra de mármore da igreja que ele não tenha cortado”, contou a fiel Marlene Barroso, 77 anos. O religioso nasceu na vila Skody Borowe, na cidade polonesa de Lomza, e chegou ao Distrito Federal em 1984 por uma missão religiosa. À época, as missas na 702 Norte eram celebradas no galpão de uma escola particular localizada ao lado da atual Paróquia Nossa Senhora da Saúde. Pedreiro habilidoso, ele decidiu erguer um templo. Com ajuda de alguns fiéis, começou as obras, que logo foram concluídas. “Ele era engenheiro, construtor e eletricista. Se tem uma coisa de que não gostava, era de ficar parado”, lembrou Marlene.
Segundo os fiéis, o gosto pela construção fez com que o padre montasse uma oficina perto da igreja. Era comum encontrar o padre de bermuda, sujo e de chapéu “colocando a mão na massa”. A mulher detalhou que o sacerdote chegou ao DF no mesmo ano que ela. “Sou do Rio de Janeiro e vim morar na capital. Lembro que, naquele mesmo ano, o padre foi designado para a paróquia daqui”, disse, emocionada. Para ela, Casemiro deixou uma mensagem de fé é muito amor pela comunidade.
Construtor habilidoso
Além da paixão pelas obras da paróquia, o padre era muito conhecido por outra característica: o sotaque. Fiéis relatam que, com o passar dos anos, ele melhorou a pronúncia do português, mas os cultos ministrados com um toque polonês tinham um charme a mais. O pároco tinha ainda outra paixão: a fotografia. “Ele fazia muitos trabalhos para a Cúria (a sede da Arquidiocese de Brasília)”, disse Ceoliles Gaio, 71.
A aposentada chamou atenção para o gênio forte de Casemiro, um traço de sua origem polonesa. “Não era muito fácil socializar com ele”, comentou. “Ele era uma pessoa muito severa em relação à religião e às tradições. Valorizava o que era importante”, afirmou a moradora da Asa Norte. O apreço pelos costumes religiosos também se refletia na dedicação do padre Casemiro com os jovens. Trabalhou por anos no movimento jovem Segue-me (Encontro de Jovens com Cristo).
Apesar do “jeitão duro”, Kazimierz era muito querido por toda a comunidade, de acordo com João Firmino, coordenador de Comunicação da Arquidiocese de Brasília. “O padre Casemiro era muito antigo aqui na paróquia e muito querido também. Era um padre bruto, forte e ficamos imaginando o que pode ter acontecido”, afirmou o religioso.
Ontem, a Arquidiocese de Brasília manifestou pesar pela perda do sacerdote e afirmou que está acompanhando a apuração do caso. “Rezemos por sua alma, sua família e sua comunidade paroquial”, destacou o texto. A Comissão Justiça e Paz de Brasília, entidade ligada à Igreja Católica, também publicou nota sobre o ocorrido: “Padre Casimiro é semente, ele permanece entre nós, seu ministério, seus valores, seu serviço pastoral. Como semente renasce, frutifica como exemplo, nos ensina a ser cristãos em tempos conturbados”.