P. M. S. L.
Ferreira Gullar
Impossível é não sonhar
estas manhãs sem teto
e as valsas
que banalizam a morte.
Tudo que fácil se
dá quer negar-nos. Teme
o ludibrio das corolas.
Na orquídea busca a orquídea
que não é apenas fátuo
cintilar das pétalas: busca a móvel
orquídea: ela caminha em si, é
contínuo negar-se no seu fogo, seu
arder é deslizar.
Vê o céu. Mais
que azul, ele é nosso
sucessivo morrer. Ácido
céu.
Tudo se retrai, e a teu amor
oferta um disfarce de si. Tudo
odeia se dar. Conheces a água?
ou apenas o som do que ela
finge?
Não te aconselho o amor. O amor
é fácil e triste. Não se ama
no amor, senão
o seu próximo findar.
Eis o que somos: o nosso
tédio de ser.
Despreza o mar acessível
que nas praias se entrega, e
o das galeras de susto; despreza o mar
que amas, e só assim terás
o exato inviolável
mar autêntico!
O girassol
vê com assombro
que só a sua precariedade
floresce. Mas esse
assombro é que é ele, em verdade.
Saber-se
fonte única de si
alucina.
Sublime, pois, seria
suicidar-nos:
trairmos a nossa morte
para num sol que jamais somos
nos consumir-mos.