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Isaque Dantas criou a Coleção Dianthus para promover o amor-próprio entre mulheres diagnosticadas: sentimento de gratidão |
A perda do cabelo e a retirada da mama durante o tratamento contra o câncer geram um grande impacto à vida de muitas mulheres, por vezes, já fragilizadas pela doença. Com foco nisso, iniciativas buscam resgatar a autoestima delas, por meio da doação de perucas, lenços, próteses e vestuário para pacientes mastectomizadas. O intuito é promover o amor-próprio entre quem passa pelo tratamento e quem se recuperou.
Neste ano, em meio à pandemia de covid-19, uma empresa de roupas femininas criou uma coleção exclusiva para a campanha do Outubro Rosa. Ao todo, há 85 modelos exclusivos para a campanha, que começou em 14 de outubro e segue até o fim do mês. O projeto contemplou cerca de 29 mulheres. Cada uma recebeu, em casa, uma peça de roupa, acompanhada de uma carta de motivação e apoio. A ideia é presentear 45 pessoas.
Idealizada por Isaque Dantas, 29 anos, a coleção recebeu o nome de uma flor muito resistente a grandes tempestades: dianthus. “Criamos (o acervo) a partir da ideia de fazer algo diferente no Outubro Rosa. A maioria das campanhas são voltadas à conscientização, de a mulher se cuidar, e à prevenção. Mas muitas (pacientes) estão passando por um momento difícil contra o câncer. A coleção veio para levantar a autoestima delas”, conta o empresário.
Isaque relata que uma das entregas teve um impacto especial; a destinatária tinha 78 anos. “Ela está enfrentando o tratamento contra o câncer pela terceira vez. Quando recebeu o vestido, contou que o presente mudou o dia dela completamente. Mesmo sem saber, enviamos a peça na cor predileta dela. Ver essa felicidade não tem preço. Esse tipo de ação traz um sentimento de gratidão, de propósito, de fazer a diferença na vida dessas mulheres”, ressalta.
A campanha também abraçou pessoas diagnosticadas com câncer no colo do útero, como Valdilene Dias de Souza, 40. Para a professora, em tratamento de quimioterapia, receber uma das peças da campanha gerou uma ponta de felicidade e esperança. “A queda de cabelo é uma fase bem complicada, pois ele complementa o cartão-postal que é nosso rosto. A gente fica com a autoestima baixa. Mas, quando coloquei o vestido laranja, eu me senti querida, cuidada”, detalha.
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Andressa teve um dos tipos mais agressivos do câncer; ela passou por quimioterapias, uma mastectomia e ressalta: "Câncer não é sentença de morte." |
Editorial
Além de entregar as roupas, a empresa fez um editorial de moda com três mulheres que venceram o câncer. “Eu me senti muito valorizada”, diz a influenciadora digital Andressa Mikaele Correia, 23. A jovem teve um dos tipos mais agressivos do câncer de mama aos 18 anos. “Descobri porque meu celular caiu sobre minha mama. Ao reparar que ela ficou dolorida e que tinha um nódulo, fui a um hospital de Formosa (GO). Os médicos disseram que não era nada, mas minha mãe insistiu e fomos a um hospital em Brasília. Fizemos a biópsia e deu positivo para câncer. Se minha mãe não tivesse insistido, eu estaria morta agora”, salienta Andressa.
Posteriormente, a jovem precisou fazer uma mastectomia para retirar as duas mamas. “Passei por quatro ciclos da quimioterapia vermelha, que é a mais forte, e por quatro da branca. Meu cabelo caiu, tomei vários remédios e ainda recebi a notícia de que eu não poderia ter filhos, porque o tratamento me deixaria infértil. Isso doeu demais. Sempre tive o sonho de ter uma família”, relata. No entanto, contra todos os prognósticos médicos, Andressa descobriu que estava grávida no ano passado. “Meu milagre aconteceu e, mesmo com a mastectomia, saiu leite do meu seio. Sou um testemunho vivo de que vale a pena lutar. O câncer não é uma sentença de morte”, reforça.
Para a autônoma Franciane Ferreira de Araújo, 36, participar do editorial e contar um pouco da própria trajetória fizeram a diferença. “Não tenho nem palavras para descrever. Senti a autoestima lá em cima. Não tinha feito nada parecido antes”, comenta. Ela descobriu um câncer na mama aos 32 anos, durante um exame de rotina. O tratamento não foi fácil e envolveu oito ciclos de quimioterapia, além de três cirurgias. “Sempre achei importante contar minha história, dar meu testemunho e ajudar outras mulheres que estão passando pela mesma situação”, acrescenta.
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Participar de editorial de moda ajudou a autoestima de Franciane Ferreira |
Rede feminina
Franciane é voluntária na Rede Feminina de Combate ao Câncer de Brasília. A instituição sem fins lucrativos atua há 24 anos no Distrito Federal, com assistência a pacientes em tratamento contra o câncer e apoio após a recuperação da doença. Coordenadora da entidade, Vera Lúcia Bezerra da Silva afirma que o projeto atende 1,5 mil mulheres por mês. “Nosso trabalho vai desde o acolhimento, quando há suspeita de câncer. (Atuamos) durante o tratamento e com ajuda psicológica para a família também”, detalha.
Entre os projetos desenvolvidos pela Rede Feminina está a entrega de perucas para mulheres que perderam o cabelo em decorrência da quimioterapia. Em 2019, foram distribuídas 140, bem como 1.350 lenços e 327 próteses mamárias. Para Vera, a recompensa do trabalho é o sorriso de cada pessoa que recebe esses presentes. “A gente percebe a importância que tem o cabelo. Houve uma vez que uma mulher chegou para mim e falou: ‘Eu poderia ter tido qualquer coisa, menos uma doença que faz perder o cabelo’. Esse comentário me impactou bastante”, recorda-se.
Recomeçar
Outra instituição que atua ativamente em prol de pacientes que enfrentam o câncer de mama é a ONG Recomeçar, idealizada por Joana Jeker. A organização não governamental surgiu em 2011 e, desde 2014, tem como sede o Hospital Regional da Asa Norte (Hran), uma das unidades públicas de referência no tratamento contra o câncer no DF. A entidade também atua com acolhimento de pacientes em tratamento e está à frente das lutas por garantias de políticas públicas. “Quero deixar legados, melhorar o acesso para todas as mulheres”, afirma Joana.
Uma das principais ações da entidade foi a entrega de próteses mamárias. “Tive câncer em 2007, passei pelo tratamento e pela retirada da mama. A prótese de silicone mudou minha vida. Eu a usava sempre que saía de casa. Sei o quanto isso é importante para quem passa por uma mastectomia”, observa Joana. A ONG, segundo ela, recebe três doações desse tipo por semana. “Mesmo com a pandemia, nosso trabalho não parou. Não estamos dentro do hospital, mas estou sempre em contato com elas (as mulheres atendidas)”, acrescenta a idealizadora.
Elizabeth dos Santos, 57, descobriu a doença no fim de 2013 e, em 2014, fez todo o processo de retirada e reconstrução da mama. No entanto, 20 dias depois da cirurgia, o corpo rejeitou a mudança, e a doméstica teve de retirar o seio mais uma vez. “Hoje em dia, não penso mais em fazer a reconstrução. Estou bem assim”, afirma. Para ela, a prótese de silicone representou mais liberdade. “Usei uma feita de pano durante muitos anos. Com a de silicone, posso usar na piscina e com roupas que a outra não permitia”, comemora.