RIO - Algo inédito pode ocorrer no dia do Oscar, 24 de fevereiro: a entrega do troféu de melhor filme a um longa em língua estrangeira — “O artista”, vencedor de 2012, era francês, mas mudo. A maioria dos especialistas em premiações de cinema prevê a vitória do mexicano “Roma” na categoria principal.
Mas o favoritismo do épico preto e branco de Alfonso Cuarón é só um exemplo de como o grupo de obras não faladas em inglês é um dos mais fortes em anos. Os cinco finalistas serão anunciados só na próxima terça-feira, mas a lista dos nove pré-indicados, divulgada em dezembro, já mostra como o cinema produzido fora de Hollywood impressionou em 2018.
— Acompanho o Oscar há anos e nunca fiquei tão envolvido com a categoria de filme estrangeiro como agora. A lista é estelar — avalia Erik Anderson, fundador do Awards Watch, um dos principais sites dos EUA especializados em premiações de cinema. — A seleção prova ainda que Cannes é o festival mais importante para alavancar filmes estrangeiros.
Ele se refere ao fato de que seis dos nove pré-indicados estrearam na mostra francesa, em maio, incluindo o vencedor da Palma de Ouro, o japonês “Assunto de família”, de Hirokazu Kore-eda; e do Prêmio do Júri, o libanês “Cafarnaum”, de Nadine Labaki ( que estreia nesta quinta-feira no Brasil ).
Na época, a presidente do júri, a atriz Cate Blanchett, disse que a seleção dava “voz aos chamados ‘invisíveis’, destituídos, desalojados e desiludidos”. E premiou ainda “Ayka”, do Cazaquistão (melhor atriz para Samal Yeslyamova), e “Guerra Fria”, da Polônia (melhor diretor para Pawel Pawlikowski). O sul-coreano “Em chamas”, de Lee Chang-dong, saiu com o prêmio dos críticos (Fipresci), enquanto o colombiano “Pássaros de verão”, de Cristina Gallego e Ciro Guerra, abriu a Quinzena dos Realizadores.
De Veneza veio o alemão “Never look away”, de Florian Henckel von Donnersmarck, além de “Roma”, o vencedor do Leão de Ouro. Completa a lista o dinamarquês “Culpa”, melhor filme pelo júri popular em Sundance.
— É um ano raro em que dois filmes, “Roma” e “Guerra Fria”, estão sendo considerados em outras categorias. A explicação está, em parte, na sua distribuição pela Netflix e Amazon, respectivamente — afirma Daniel Montgomery, editor do “Gold Derby”, o mais respeitado site americano de apostas do Oscar. — Essas plataformas, além de promoverem seus longas, abriram um mercado para filmes antes relegados a cinemas de arte.
O que a maior parte dos filmes tem em comum é o fato de agradarem tanto público quanto críticos. Ao contrário de edições anteriores, não houve controvérsia quando a Academia pinçou os nove títulos dos 87 elegíveis. Ano passado, por exemplo, a ausência do francês “120 batimentos por minuto”, tido como um dos favoritos, deixou muitos críticos boquiabertos.
— Além disso, os filmes que os países escolheram para representá-los no Oscar de fato tiveram destaque. Esse primeiro filtro na corrida pelo troféu também costuma provocar polêmica. Não foi o caso dessa vez — diz o jornalista e colunista do GLOBO Artur Xexéo.
Nancy Tartaglione, editora do site especializado “Deadline”, reforça a tese. Para ela, o mais surpreendente na lista de pré-indicados é justamente o quão pouco surpreendente ela é. “Em contraste com edições passadas, a categoria está sendo composta por filmes que os analistas já esperavam”, escreveu ela.
Antes mesmo da divulgação da chamada “shortlist”, Diane Weyermann, presidente do comitê encarregado de selecionar os indicados a melhor filme estrangeiro, já havia sinalizado como a tarefa estava particularmente difícil nesta edição, que ela chamou de “excepcionalmente forte”.
— É preciso ficar atento aos filmes que estão ganhando atenção do mundo ao longo do ano. A Academia claramente fez o dever de casa — diz Ilda Santiago, diretora do Festival do Rio, que em novembro trouxe sete dos nove pré-indicados. — Esses longas relevam histórias humanistas que evocam as diferentes realidades dos países.
Para o crítico Guy Lodge, da revista “Variety”, a shortlist atual reflete “uma Academia em transição, com um contingente de cinéfilos mais novos e aventureiros tomando o poder”. Nos últimos anos, a instituição convidou membros mais diversos para compor o quadro de votantes.
— Muitos dos novos integrantes são internacionais, o que certamente vai casuar impacto significativo no resultado. Essas pessoas costumam sentar e de fato assistir aos concorrentes antes de votar — conclui Erik Anderson.