INTRODUÇÃO
Gonçalves Dias
Os ritos semibárbaros dos Piagas,
Cultores de Tupã, a terra virgem
Donde como dum trono, enfim se abriram
Da cruz de Cristo os piedosos braços;
As festas, e batalhas mal sangradas
Do povo Americano, agora extinto,
Hei de cantar na lira.– Evoco a sombra
Do selvagem guerreiro!... Torvo o aspecto,
Severo e quase mudo, a lentos passos,
Caminha incerto, – o bipartido arco
Nas mãos sustenta, e dos despidos ombros
Pende-lhe a rôta aljava... as entornadas,
Agora inúteis setas, vão mostrando
A marcha triste e os passos mal seguros
De quem, na terra de seus pais, embalde
Procura asilo, e foge o humano trato.
Quem poderá, guerreiro, nos seus cantos
A voz dos piagas teus um só momento
Repetir; essa voz que nas montanhas
Valente retumbava, e dentro d’alma
Vos ia derramando arrojo e brios,
Melhor que taças de cauim fortíssimo?!
Outra vez a chapada e o bosque ouviram
Dos filhos de Tupã a voz e os feitos
Dentro do circo, onde o fatal delito
Expia o malfadado prisioneiro,
Qu’enxerga a maça e sente a muçurana
Cingir-lhe os rins a enodoar-lhe o corpo:
E sós de os escutar mais forte acento
Haveriam de achar nos seus refolhos
O monte e a selva e novamente os ecos.
Como os sons do boré, soa o meu canto
Sagrado ao rudo povo americano:
Quem quer que a natureza estima e preza
E gosta ouvir as empoladas vagas
Bater gemendo as cavas penedias,
E o negro bosque sussurrando ao longe ––
Escute-me. –– Cantor modesto e humilde,
A fronte não cingi de mirto e louro,
Antes de verde rama engrinaldei-a,
D’agrestes flores enfeitando a lira;
Não me assentei nos cimos do Parnaso,
Nem vi correr a linfa da Castália.
Cantor das selvas, entre bravas matas
Áspero tronco da palmeira escolho.
Unido a ele soltarei meu canto,
Em quanto o vento nos palmares zune,
Rugindo os longos encontrados leques.
Nem só me escutareis fereza e mortes:
As lágrimas do orvalho por ventura
Da minha lira distendendo as cordas,
Hão de em parte ameigar e embrandece-las.
Talvez o lenhador quando acomete
O tranco d’alto cedro corpulento,
Vem-lhe tingido o fio da segure
De puto mel, que abelhas fabricaram;
Talvez tão bem nas folhas qu’engrinaldo,
A acácia branca o seu candor derrame
E a flor do sassafraz se estrele amiga.