OS SUSPIROS
Gonçalves Dias
Muitas vezes tenho ouvido,
Como lânguidos gemidos,
Frouxos suspiros partidos
Dentre uns lábios de coral:
A fina tez lhes deslustram,
Bem como o alento que passa
Sobre o candor duma taça
De transparente cristal.
Ouvido os tenho mil vezes
Do coração arrancados,
Sobre lábios desmaiados
Sussurrando esvoaçar!
Como flor submarinha
Da funda gleba arrancada,
De vaga em vaga arrastada,
Correndo de mar em mar!
Ouvido os tenho mil vezes,
Em quanto a lua fulgura,
Quando a virgem d’alma pura
Feita seus olhos no céu:
Notas de mundo longínquo
Repassadas de harmonia,
Diamante que alumia
A tela de um fino véu!
Tu, virgem, por que suspiras?
Quando suspiras que cismas?
Em que reflexões te abismas,
– Do passado ou do porvir;
Mas não tens passado ainda,
Tudo é flores no presente,
Brilha o porvir docemente,
Como do infante o sorrir.
Tu, virgem, por que suspiras?
– Murmura trepida a fronte,
De relva se cobre o monte,
As aves sabem cantar;
O ditoso tem sorrisos,
O desgraçado tem pranto,
A virgem tem mais encanto
No seu vago suspirar!
Suspirar, ó doce virgem,
É da alma a voz primeira,
A expressão mais verdadeira
Da sina e do fado teu!
Vago, incerto, indefinido,
Tem um quê de inexplicável,
Como um desejo insondável,
Como um reflexo do céu.
Eu amo ouvir teus suspiros,
Ó doce virgem mimosa,
Como nota harmoniosa,
Como um cântico de amor;
Mais do que a flor entre as vagas
Sem destino flutuando,
Folgo de os ver expirando
Em lábios de rubra cor.
Mais que a longínqua harmonia,
Que o alento fraco, incerto,
Que o diamante coberto,
Cintilando almo fulgor;
Folgo de ouvir teus suspiros,
Ó doce virgem mimosa,
Como nota harmoniosa,
Como um cântico de amor!