Redação Divirta-se
28 de maio de 2020 | 05h00
Danilo Casaletti
ESPECIAL PARA O ESTADO
CONTEÚDO ABERTO PARA NÃO-ASSINANTES
Ney Matogrosso igualmente foge das lives. Em entrevista ao repórter do Estadão Julio Maria, o cantor demonstrou desconforto com a modalidade. “Não sinto atração por fazer. Talvez seja medo da novidade.”
Desde que lançou o álbum A Mulher do Fim do Mundo, em 2015, Elza Soares, de 89 anos, renovou seu público e tem as redes socais como grande aliada. Mas tampouco se apresentou virtualmente. “Tenho recebido muitos convites e negado vários, mas estou a fim de fazer. Estou pensando em fazer um grande live show em julho, quando carimbo meu passaporte (completa 90 anos)”, diz a cantora, que interrompeu a turnê do show Planeta Fome por causa da pandemia.
Na lista dos que ainda não fizeram live, há ainda nomes desde sempre reclusos, como Maria Bethânia – sua assessoria diz que ela não tem planos de se apresentar nas redes sociais, apesar dos pedidos dos fãs –, Chico Buarque e Jorge Benjor; artistas que se comunicam bem com o público virtual, como Gal Costa e Erasmo Carlos; e outros que encontraram diferentes soluções para se fazerem presentes.
Milton Nascimento, por exemplo, tem soltado vídeos cantando alguns de seus sucessos e Gilberto Gil tem reciclado imagens com aulas sobre como tocar suas composições ou gravado mensagens para campanhas de solidariedade às vítimas da covid-19. Já Rita Lee participou recentemente de um bate-papo sobre seu álbum Lança Perfume e gravou um vídeo cantando o hit Saúde.
O produtor Marcus Preto, que trabalhou com artistas como Gal, Erasmo e Nando Reis, diz compreender que nem todos se sintam à vontade nas lives. “É um formato novo para eles, que pensam: ‘Será que o som vai ficar bom?’. Também não terão toda uma equipe que costuma ficar no palco e que resolve qualquer problema com rapidez”, diz. Preto acredita que, cedo ou tarde, os citados poderão aderir ao formato, mas na hora em que se sentirem confortáveis.
O grupo Racionais Mc’s, que soma mais de 1 milhão de seguidores no Instagram, aponta um outro motivo para a ausência no movimento. De acordo com sua assessoria de imprensa, Mano Brown e seus companheiros não querem passar a impressão de que estariam desrespeitando o isolamento social – já que uma apresentação deles reuniria ao menos oito pessoas no mesmo ambiente.
E quem não pode? Caetano Veloso e Ney Matogrosso fazem parte de um grupo que lota casas de shows e teriam apoio de gravadoras e patrocinadores. Porém, há um grupo de artistas que está à margem das lives. São nomes ainda atuantes – como Claudette Soares, Eliana Pittman, Doris Monteiro, Luiz Ayrão, Zezé Motta, As Galvão –, mas sem possibilidades de aderir à única forma de apresentação possível no momento.
O produtor Thiago Marques Luiz, há quase 20 anos no mercado, é responsável por revitalizar as carreiras de Cauby Peixoto e Angela Maria, no início dos anos 2000, e, de certa forma, se especializou em trabalhar com artistas da velha guarda. Ele traçou um perfil dos preteridos: mais de 70 anos de idade, 50 de carreira, sem o número expressivo de seguidores em redes sociais e que precisam de pelo menos um músico presente – o que, por estarem no grupo de risco para o coronavírus, não é recomendável.
“Eles estão em casa, sem trabalho por conta da pandemia. Muitos se sentem inúteis, mas a história que eles construíram ao longo da carreira é muito importante para ser esquecida nesse momento” diz Marques Luiz, que criou o projeto Vozes da Melhor Idade. A ideia é que os artistas façam pequenos vídeos contanto suas histórias e cantem uma música de seu repertório, para que depois, em estúdio, um violonista grave o acompanhamento. Uma tentativa de aproximá-los de seu público, enquanto os shows continuarem proibidos. A TV Cultura se interessou em exibir o material, mas não tem dinheiro para produzi-lo. O Sesc São Paulo ficou de analisar o projeto. “Já bati em várias portas em busca de patrocínio, mas não houve interesse.”
Aos 73 anos, a cantora Eliana Pittman havia acabado de lançar o álbum As Divas do Sambalanço (ao lado de Claudette Soares, de 83 anos, e Doris Monteiro, de 85) quando foi declarada a pandemia. “Estou dentro de casa tentando me reinventar. Esse é o desafio do momento”, afirma Eliana, que mora sozinha e pede ajuda de um vizinho quando quer gravar vídeos para postar em suas redes. As Divas estavam com seis shows marcados, mas tudo foi interrompido. “Quando tudo isso passar, vamos lançar novamente”, diz ela, que participará como atriz na segunda temporada da série Coisa Mais Linda, que chegará à Netflix no dia 19 de junho.
Luiz Ayrão, de 78 anos, outro da turma dos sem-live, afirma ficar preocupado com a falta de qualidade técnica que poderia oferecer para fazer uma apresentação de dentro do seu apartamento, em São Paulo, onde passa a quarentena ao lado da mulher e de um neto. “Não acho que ficaria interessante. Para fazer de qualquer jeito, prefiro não fazer”, diz o compositor carioca, autor de sucessos como Bola Dividida, Nossa Canção e Os Amantes, que recentemente lançou o CD Um Samba de Respeito, com participações de Alcione, Zeca Pagodinho, Zeca Baleiro e Diogo Nogueira. No entanto, quis fazer a entrevista para a reportagem por chamada de vídeo – e fez praticamente uma minilive. Nela, contou histórias, tocou violão e cantou – abriu a chamada entoando os primeiros versos da canção She, de Charles Aznavour, um de seus ídolos.
Grupos como MPB4 e Quarteto em Cy, também com limitações para se reunirem, tentam marcar presença na internet. O primeiro resolveu a questão com um vídeo no qual cada integrante gravou sua participação de casa e, depois, as vozes e os instrumentos foram juntados. Já Cynara Faria, uma das fundadoras do Quarteto em Cy, cantou acompanhada dos filhos, representando o grupo.
Alguns artistas têm encontrado respaldo do projeto online Sesc Ao Vivo, do Sesc São Paulo, que, desde metade de abril, já trouxe 37 atrações musicais de nomes como Roberta Sá, Adriana Calcanhoto, Chico César, Marcelo Jeneci e Céu. Entre artistas com mais de 70 anos, já se apresentaram João Bosco, Joyce Moreno, Dori Caymmi e João Donato – todos se acompanharam, ou sejam, tocaram e cantaram. Juntas, as lives já somam mais de 2 milhões de visualizações.
O diretor regional da entidade, Danilo Santos de Miranda, diz que a escolha dos artistas segue os mesmos critérios que sempre marcaram a instituição, com um olhar para a diversidade de gêneros e públicos. Alguns dos shows estavam já estavam previstos para as unidades do Sesc, outros atendem propostas recebidas antes e depois da pandemia.
Miranda afirma que o Sesc está atento aos sem-live. “Estamos avaliando possibilidades, evitando ao máximo o deslocamento, preservando da melhor maneira possível a manutenção do isolamento social. A mensagem da instituição é para que as pessoas fiquem em casa”, diz. “O Sesc toma os mesmos cuidados com todos os artistas para evitar qualquer tipo de exposição, de modo que a instituição não incentiva o acesso de pessoas na casa dos artistas, ou a permanência de equipes externas no local”, complementa.
Fazer ou não fazer? Os shows presenciais ainda não têm previsão de volta. Mas, até lá, é importante o artista ficar em contato com o público, por meio de lives? “Quem não fizer live agora vai perder financeiramente, mas a pandemia vai passar e a história de muitos artistas é mais forte do que tudo isso”, acredita Thiago Marques Luiz, referindo-se aos veteranos.
Para Marcus Preto, os artistas terão de repensar suas apresentações online, sob pena de cansarem o público. “Tem gente que está apenas trabalhando, apresentando seus sucessos. O formato vai se desgastar.”
O produtor Ricky Bonadio, que trabalhou com bandas como Charlie Brown Jr e CPM22, diz ser importante que o artista se mantenha ativo – e os que são “verdadeiros” se sairão melhor diante da falta de uma grande produção. “Esse momento deixa claro quem é quem, quais artistas são muitos produzidos e protegidos no palco e quais têm qualidade musical de verdade.”