OS RAPSODOS
Raimundo Floriano
Em 1993, já aposentado, eu exercia, na categoria de secretário parlamentar, a chefia de gabinete do deputado Sérgio Cury (PDT-RJ). Como auxiliares, havia o Gilmar, datilógrafo e desencalhador de processos nas diversas repartições de Brasília; o Stênio, motorista; e o Marcondes, estafeta e pau pra toda obra.
Era um trabalho árduo, mas gratificante, pois proporcionava, a nós servidores, na resolução dos mais variados problemas apresentados pelos eleitores fluminenses, o contato com pessoas interessantes, simpáticas e agradáveis, cujas presenças tornavam mais amena a pedreira que diariamente enfrentávamos no cumprimento de nossas tarefas.
Uma delas foi o doutor Eugênio José dos Santos, bacharel em Direito, que frequentou o gabinete por um longo período, na luta – verdadeira guerra de foice – visando à sua nomeação para um cargo na Justiça Trabalhista. Debalde foram todos os esforços – do deputado, dele, nossos. Sem obter o almejado, despediu-se ele e retornou a sua cidade, o Rio de Janeiro, deixando-nos saudades.
Poucos dias após seu regresso, chega-nos a seguinte correspondência:
Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 1993.
“MODESTO AGRADECIMENTO
Embora vencido na batalha
Não posso dos amigos esquecer
Senão soaria canalha
E não mereceria vencer
Falo de Marcondes e de Raimundo
Passando por Stênio e Gilmar
Pelo seu empenho a fundo
No desejo de ajudar
Do fundo do coração
O nosso maior agradecimento
Pela grandeza da atuação
Com nobreza e sentimento
Digam ao ilustre deputado
O quanto estou agradecido
Pelo staff por ele ofertado
Embora saísse eu vencido
Se de sua equipe dependesse
Não seria um juiz qualquer
Pois se o Itamaraty pretendesse
Seria eu um chanceler
No seu gabinete tranquilo
Sem vinculação com o “Orçamento”
Tudo se faz ao estilo
De quem tem bom sentimento
Um Feliz Natal e um generoso Ano Novo
são os votos a quem tudo merece.
EUGÊNIO JOSÉ DOS SANTOS - Advogado”
Foi surpreendente. Pela vez primeira, recebíamos mensagem desse calibre. Nela, o doutor Eugênio se revelava um amante da poesia e, consequentemente, uma pessoa dotada de alta sensibilidade e portadora de grandes emoções.
Eu, de minha parte, sempre me considerei também um rapsodo – versejador, seresteiro, cantor ambulante de modinhas. Nunca um poeta inspirado, mas um cordelista que glosa os fatos e se vale, quando em apuros para achar uma rima perfeita, de frases consagradas de outros vates nordestinos como Orlando Tejo, Patativa do Assaré e Zé Limeira. E isso não é plágio, meus amigos, é citação.
Retribuindo tão elogiosas palavras, enviei-lhe, orgulhoso e agradecido, estas sextilhas:
RESPOSTA A UM DOUTOR PEDRA-NOVENTA
São Lucas, nas Escrituras,
Fala de dez belas curas
Que Cristo realizou.
Eram dez homens leprosos
Que com atos milagrosos
O Mestre recuperou.
Porém, diz o Evangelho,
Como neste mundo velho
É muito fácil esquecer,
Desses dez agraciados
Apenas um dos curados
Voltou para agradecer.
Cá, em nosso gabinete,
Eu já conheço o macete
De alguns que vêm pra pedir
Devido à necessidade,
Tratam-nos com intimidade,
O rosto sempre a sorrir.
E tudo é na brincadeira,
Na gozação prazenteira,
Amizade é o que se vê.
Se a gente os chama doutor,
Dizem, até com dissabor,
– Só me trate de você.
Sérgio Cury, o deputado,
Diz para o necessitado:
– Este gabinete é seu.
Para o bom atendimento,
Use sem constrangimento,
O staff e tudo o que é meu.
E franqueia o telefone,
O Fax, nós da “ASPONE”,
O carro, a cota postal,
A sala, o apartamento,
A bebida, o mantimento,
“Et cetera e coisa e tal”.
Mas é só ser nomeado,
Com o ato já publicado
No Diário Oficial,
A coisa se transfigura,
O cabra muda a postura,
Assume pose formal.
E diz pra nós que o ajudamos,
Que com esforço o levamos
À feliz benemerência:
– Gosto muito de respeito,
Doravante é desse jeito:
Só me chamem de Excelência.
Fala mais a autoridade:
– Eu aqui nesta cidade
Consegui tudo sozinho.
Meu prestígio eu empenhei,
Implorei, pedi, chorei,
Mas nada devo ao Serginho.
Isso, quando à nossa frente,
Porque a coisa é diferente,
Estando com o deputado.
Diz: “Serginho, olha bem,
Teu gabinete só tem
Incompetente e folgado.
Quem avisa amigo é,
Por isso, ouve com fé,
Pra felicidade tua:
Ali só tem picareta,
Pega logo na caneta
E bota os quatro na rua!”
Eu, Raimundo Floriano,
Por ser dos quatro o decano
E imune a tal torpeza,
Pelos meus colegas falo,
Na injustiça não me calo,
Assumo sua defesa.
A equipe é admirável,
Trabalhadora, incansável,
Tudo faz para servir.
Dando duro no batente,
Merece o apoio da gente
Forçoso é admitir.
Raimundo, chefe e analista,
Stênio, bom motorista,
Gilmar na burocracia,
Marcondes no mais que resta,
“Na boca de quem não presta,
Os quatro não têm valia”.
Doutor Eugênio, eu imagino,
Se um dia for seu destino
Alcançar o galardão,
Vai ter fogos de artifício,
Festança sem sacrifício,
Alegria em profusão.
Meu prezado, a ciência,
O saber, a experiência,
São marcantes no senhor.
Sua verve, seu tirocínio
E o veloz raciocínio
Atestam o seu valor.
Infelizmente a vitória
– Disso está cheia a História –
Despremia quem merece.
Quando vale é Quem Indica,
O sábio por terra fica,
E o insipiente é quem cresce.
Conhecê-lo, meu amigo,
Escute o que ora digo,
Foi como ganhar na loto.
Portanto, vamos em frente,
Concorra pra Presidente
E conte com o meu voto.
Raimundo Floriano,
mão de onça, pé de pano
Doutor Eugênio, rapsodo carioca