Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Do Jumento ao Parlamento sábado, 18 de fevereiro de 2017

OS PRAZERES DE RAIMUNDO

OS PRAZERES DE RAIMUNDO

Raimundo Floriano 

 

                        No começo de novembro de 2001, o Correio Braziliense publicou uma excelente resenha do livro Jackson do Pandeiro, o Rio do Ritmo – que nos traz, além da biografia do focalizado, uma visão geral do ambiente forrozeiro nordestino –, escrita pelo jornalista TT Catalão. Como ainda não possuía meu exemplar, a matéria me suscitou uma série de dúvidas, que procurei esclarecer, entrando em contato com seu autor.

 

                        Na troca de e-mails, TT Catalão manifestou interesse em fotografar as capas de todos os elepês do Jackson, de minha coleção, para serem arquivadas no jornal, com o que prontamente concordei. Dias depois, fui procurado em meu apartamento pela jornalista Conceição Freitas, desacompanhada do fotógrafo, que se atrasara, para conhecer meu acervo.

 

                        Mostrei-lhe elepês, fitas, cedês, livros, coleções de selos, MPB e Carnaval Brasileiro, meu cartão de visitas e uma papelada imensa. Conversamos muito, sobre tudo o que ela, com especial interesse examinou, detendo-nos mais nos dizeres do cartão. Conceição fez muitas anotações, pesquisou na Redação, telefonou para obter explicações, questionou grande parte dos sinônimos que eu adotara em meu pequeno currículo, consultou vários dicionários e enciclopédias. No dia 15 daquele mês, o jornal publicou, em página inteira, a matéria a seguir: 

 

OS PRAZERES
DE RAIMUNDO

 

Conceição Freitas

Da equipe do Correio

O cartão de visita de Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva exige um dicionário. Foi o jeito que ele achou de mostrar que sabe das coisas. Um de seus muitos sonhos era ter uma caricatura. Aí está.

Quando era funcionário da liderança do PTB na Câmara Federal, o maranhense Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva atendia a uma horda de candidatos a emprego. “O que tu apitas aqui?”, perguntavam os mais ousados. Raimundo resolveu mostrar que não era um qualquer e fez um cartão de visitas para que os insolentes soubessem com quem estavam falando. E declarou, no verso do cartão, suas devidas qualificações: Amanuense – Cinesíforo – Alectoromaquista – Melômano – Banjoísta – Íncubo – Rapsodo – Vascaíno – Diascevasta – Partenomante – Cruciverbista – Parafrasta – Calemburista – Abencerragem – Fescenino – Decifrador”.

 

Depois disso, Raimundo já renovou várias vezes o seu ilustrado cartão de visita. Abandonou alguns quesitos e acrescentou outros. É também trombonista, decifrador, matinador, filatelista, lusófono, toma-largura, mas continua cinesíforo, alectoromaquista, cruciverbista... No próximo cartão, que será feito tão logo acabem os exemplares do atual, Raimundo pretende substituir “trombonista” por “revascularizado”, e “partenomante” por “fescenino”.

Esse amanuense de 65 anos se diverte com a vida: pôs na rua a primeira banda de música de Brasília, em 1972, toca trombone, faz cordel, coleciona selos, tem gravadas todas as marchas e sambas de carnaval, fabricava cachaça, apostava em briga de galo e se considera vencedor de um torneio de palavras cruzadas.

Desde que foi socorrido por uma ponte de safena, em fevereiro passado, o trombonista teve de abandonar o sopro de seu velho instrumento. Lá se foram quase 30 anos de farra desde que, em 1972, quando Brasília era uma cidade sob a ameaça de se transformar em ruínas por conta do desinteresse em fazê-la funcionar, Raimundo pôs anúncio nos classificados do jornal.

“Professor de trombone de vara – Preciso de um, para os sábados, de 2 às 4 da tarde. Não quero erudição, o meu negócio é botar a Banda Urubu na rua, tocando algumas marchinhas e alguns frevinhos para arder e encardir. Tratar com Floriano – Fone 23-2763”.

Na primeira aula, já ardia e encardia: “Mulata bossa nova, caiu no hully-gully...”. Se apresentou na Festa dos Estados com seis músicos, avulsos e intrépidos como ele. Em dezembro do ano seguinte, os jornais da cidade noticiavam a banda que “passa, tocando de graça e fazendo vibrar mil gentes na praça”. O grupo de mestre Raimundo já somava 17 músicos, funcionários públicos, bancários, militares, comerciários e estudantes, que cortava os pilotis da Asa Sul e arrebanhava meia centena de pessoas. A essa altura, a banda tinha mudado de nome, passava a se chamar Capital Federal, porque urubu, além de ser um bicho muito do feio, não trazia bons presságios.

 

PARTENOMANTE

 

É esse o nome, partenomante, da pessoa que adivinhava se uma mulher era ou não virgem. Havia métodos para isso, mas o hoje comedido aposentado prefere não cavoucar detalhes. “Isso está fora de moda, por isso resolvi tirar o partenomante e colocar o fescenino”. Não toma jeito esse Raimundo. Fescenino quer dizer “obsceno” e “licencioso”, contador de piadas picantes.

No tempo em que podia beber, Raimundo fabricava em casa uma espécie de caipirinha batizada Flor de Maracujá ou, nome bem mais menos comportado, F. Mansinho, feita de pinga, açúcar e maracujá. A mistura ficava mais de um ano cevando num tonel de peroba até estar pronta para ser servida antes, durante e depois da apresentação da banda. E embalava os colegas de trabalho e quem quisesse comprar uma garrafa do precioso líquido.

O prazer da bebericagem se foi, mas o menino que foi apaixonado por Bob Nelson (“ô, tiroleeeei”), Jorge Veiga (“Etelvina, acertei no milhar...”) e filatelista desde os 9 anos cerca-se de outros interesses. Escreve seu livro de memórias Do Jumento ao Parlamento, por exemplo. Da infância no sertão, onde o jumento era o meio de transporte usual, ao Congresso, onde Raimundo entrou, concursado, para o cargo de auxiliar legislativo, foi revisor (o diascevasta), chefe da Seção de Habitação, bem como chefe da Secretaria do PTB e chefe de gabinete na Câmara Federal.

Copidesque de várias obras literárias de autores de Brasília, que ele guarda e exibe garbosamente, Raimundo até hoje quebra o galho dos amigos. Redige requerimento, ofício, carta de apresentação, pedido de lote, qualquer carta formal para quem tem pouco jeito com as palavras. “Sempre, sempre tem alguém vindo aqui para que ele escreva alguma coisa”, testemunha Veroni, 43, mulher de Raimundo há 20 anos, mãe de duas moças, Mara, 15 anos, e Elba, 18.

Aposentado há dez anos, Raimundo Floriano não tem tempo de sobra. Há dias, por exemplo, deu por concluída tarefa que lhe tomou uma década. Foi atrás do nome de cada um dos integrantes da gloriosa Seleção Balsense de Futebol de 1956, de Balsas (MA), sua cidade natal. Aquele foi o primeiro ano em que os balsenses derrotaram os arquirrivais de Carolina. Raimundo conseguiu a foto histórica do dia da vitória e, finalmente, os identificou: Osmar Coelho, Noroel, Solino, Sato, Dico, Jônathas, Ary, Valentim, Oliveiros, Morais, Joãozinho Botelho, Gemi, Marabá, Loia, Odílio e João Pedro.

O Melômano Raimundo Floriano já teve 2,2 mil elepês de música popular brasileira, doou metade por falta de espaço no apartamento da 215 Sul. Tem mais de 1.800 músicas de carnaval, desde a primeira, Zé Pereira, e guarda 16 elepês de Jackson do Pandeiro, que ele não vende, não empresta, não deixa ninguém pôr a mão. Matinador declarado, está de pé às 6h, toma café, lê o jornal e espera o telefone tocar. É o dono da banca de revista avisando que a turma do dominó já chegou. “Jogo mal, só dou palpite, nisso eu sou bom”. É um diletante esse Raimundo.

 

AMANUENSE – Funcionário público de condição modesta que fazia a correspondência e copiava ou registrava documentos.

CINESÍFORO – Motorista.

MELÔMANO – Aquele que tem paixão exagerada por música.

RAPSODO – Na Grécia antiga, cantor ambulante de rapsódia (trecho de composição poética).

TROMBONISTA DO CARNAVAL – tocador de trombone.

VASCAÍNO – Torcedor do Vasco.

DIASCEVASTA – Crítico que revê e corrige obras alheias.

PARTENOMANTE – Pessoa que pratica a antiga arte de adivinhar se era ou não virgem uma mulher, administrando-lhe uma bebida que ela não devia vomitar, ou cingindo-lhe ao pescoço uma fita que não podia ser tirada facilmente por cima da cabeça, caso a mulher estivesse pura.

CRUCIVERBISTA – Raimundo diz que é sinônimo de pessoa que faz palavras cruzadas. O Aurélio e o Caldas Aulete não registram o verbete. Registram apenas cruci, do latim crux, El. comp. = cruz.

MATINADOR – No dicionário, significa a mais importante figura da cavalhada, que dirige os ensaios e conduz os torneios nas festas dos padroeiros locais e no Natal. Seu Raimundo usa a palavra para definir uma pessoa que acorda cedo.

PARAFRASTA – Autor de paráfrase, na concepção de tradução livre ou desenvolvida.

CALEMBURISTA – Pessoa que faz trocadilho.

ABENCERRAGEM – O último abencerrage, indivíduo que se mostra de extrema dedicação a uma causa, o derradeiro paladino de uma ideia.

TOMA-LARGURA – No Aurélio, criado do paço. Seu Raimundo diz que já foi sinônimo de contador.

FILATELISTA – Colecionador de selos.

LUSÓFONO – Diz-se de ou indivíduo ou povo que fala o Português.

DECIFRADOR – Que ou aquele que decifra.

Raimundo tira de obras
literárias as palavras para
seu cartão de visitas.

 

Amanuense – de O Amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos.

Melômano – de uma crônica de Mário Henrique Simonsen.

Rapsodo e diascevasta – de A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna.

Calemburista – de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.

Toma-largura – de Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida.

 

 

 


sábado, 18 de fevereiro de 2017 as 15:08:42

Ima Aurora
disse:

Espetacular! Adorei a descrição feita de meu amado tio!


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