OS ÓCULOS
Olavo Bilac
(1865–1918)
O velho e austero doutor Ximenes, um dos mais sábios professores da Faculdade, tem uma espinhosa missão a cumprir junto da pálida e formosa Clarice… Vai examiná-la: vai dizer qual a razão da sua fraqueza, qual a origem daquele depauperamento, daquela triste agonia de flor que murcha e se estiola.
A bela Clarice!… É casada há seis meses com o gordo João Paineiras, o conhecido corretor de fundos, — o João dos óculos —, como o chamam na Praça por causa daqueles grossos e pesados óculos de ouro que nunca deixam o seu forte nariz de ventas cabeludas. Há seis meses ela míngua, e emagrece, e tem na face a cor da cera das promessas de igreja — a bela Clarice. E — ó espanto! — quanto mais fraca vai ficando ela, mais forte vai ficando ele, o João dos óculos, — um latagão que vende saúde aos quilos. Assusta-se a família da moça. Ele, com seu imenso sorriso, vai dizendo que não sabe… que não compreende… porque, enfim, — que diabo! — se a culpa fosse sua, ele também estaria na espinha…
E é o velho e austero Dr. Ximenes, um dos mais sábios professores da Faculdade, um poço de ciência e discrição, quem vai esclarecer o mistério. Na sala, a família ansiosa espia com rancor a gorda face do João impassível. E na alcova, demorado e minucioso exame continua.
Já o velho doutor, com a cabeça encanecida sobre a pele nua do peito da enferma, auscultou longamente os seus pulmões delicados: já, levemente apertando entre os dedos aquele punho macio e branco, tateou o pulso, tênue como um fio de seda… Agora, com o olhar arguto, percorre a pele da bela Clarice — branca e cheirosa pele — o colo, a cinta, o resto… De repente — que é aquilo que o velho e austero doutor percebe na pele, abaixo… abaixo… abaixo do ventre?… Leves escoriações, quase imperceptíveis arranhaduras avultam aqui e ali vagamente… nas coxas…
O velho e austero doutor Ximenes funga uma pitada, coça a calva, olha fixamente os olhos da sua doente, toda alvoroçada de pudor:
— Isto que é, filha? Pulgas? Unhas de gato?
E a bela Clarice, toda de confusão, enrolando-se no penteador de musselina como numa nuvem, balbucia, corando:
— Não! Não é nada… não sei… isto é… talvez seja dos óculos do João…