OS BRASILEIROS: Sobral Pinto
José Domingos Brito
Heráclito Fontoura Sobral Pinto nasceu em Barbacena, MG, em 5/11/1893. Advogado conhecido pela defesa de presos políticos durante a ditadura do Estado Novo em fins da década de 1930 e a ditadura militar instaurada após o golpe de 1964. Teve atuação destacada na luta pela defesa dos direitos humanos em sua longa carreira profissional.
Conta-se que aos 10 anos presenciou 3 policiais arrastando um preso e dando-lhe chutes e pancadas. O garoto ficou indignado e chamou-os de covardes. Nascia ali o senso de justiça que impregnou sua vida. realizou os estudos secundários no Colégio Anchieta, dos padres jesuítas, em Nova Friburgo, RJ. Pouco depois, mudou-se para o Rio de Janeiro e ingressou na Faculdade de Direito, onde foi diplomado em 1917. Trabalhou pouco tempo na área criminalista e foi convidado para ocupar o cargo de Procurador Criminal da República, em 1924. O período do governo de Arthur Bernardes foi conturbado com os movimentos militares revolucionários e ele foi implacável na condenação dos líderes.
Em 1928 foi promovido a Procurador-Geral do Distrito Federal e no mesmo ano ingressou no Centro Dom Vital, criado por Jackson de Figueiredo e Dom Sebastião Leme, ficando responsável pela crônica política publicada no jornal da entidade, A Ordem. Pouco depois deixou a Procuradoria-Geral, recusando qualquer cargo público, passando a ser apenas advogado. Em 1933 aderiu à Liga Eleitoral Católica, a fim de orientar na escolha dos representantes da Assembleia Nacional Constituinte, até que em 1936 surge uma grande causa: defender os líderes da “Intentona Comunista” Luiz Carlos Prestes e o alemão Harry Berger, diante da recusa de diversos advogados. Prestes passou 8 anos de prisão incomunicável, recebendo apenas a visita semanal que o advogado lhe fazia.
No caso do alemão, suas condições no cárcere eram tão desumanas que ele solicitou do governo a aplicação do artigo 14 da Lei de Proteção aos Animais ao prisioneiro. Mais tarde as razões da defesa foram expostas em seu livro Por que defendo os comunistas. Durante a ditadura do “Estado Novo”, batalhou pela redemocratização através de sua coluna no Jornal do Commercio, incluindo uma grande polêmica travada com o escritor Cassiano Ricardo, diretor do jornal governista A Manhã, publicada no livro Do primado do espírito nas polêmicas doutrinárias: as iras do Sr. Cassiano.
Em 1945 assinou o manifesto de lançamento da Resistência Democrática, convocando a realização da Constituinte, o sufrágio universal, a criação de partidos e dos sindicatos apolíticos. Mais tarde, em 1955, quando um grupo político aliado aos militares tentaram impedir a participação no pleito de Juscelino Kubitschek e João Goulart, ele criou a “Liga da Defesa da Legalidade” para lutar pela realização das eleições e garantir a posse dos eleitos. Com a vitória de Juscelino, pouco depois foi-lhe oferecida uma vaga no STF-Supremo Tribunal Federal. Não foi aceita, para evitar a impressão que seria uma retribuição pela sua atuação na Liga.
Logo após o Golpe Militar de 1964, enviou uma carta ao Marechal Castelo Branco advertindo-o de que sua candidatura, na qualidade de chefe do Estado Maior do Exército, era ilegal, tanto no pleito direto, quanto indireto. Neste período defendeu causas como a Missão Comercial Chinesa, que aqui se encontrava com passaporte diplomático num intercâmbio comercial. Foram presos, torturados e, após a condenação. Foram deportados. Com o AI-5, em 1968, ele foi preso em Goiás por alguns dias. O oficial carcereiro avisou-lhe que o AI-5 visava o estabelecimento de uma democracia à brasileira. Resposta: “Coronel, há peru à brasileira, mas não há democracia à brasileira. A democracia é universal, sem adjetivos”.
Um dos aspectos que mais salientou seu caráter foi o completo desprendimento dos bens materiais. Seu colega Dario de Almeida Magalhães dizia: “Para que esse destino privilegiado de homem livre se realizasse cabalmente, alcançou Sobral Pinto a libertação de um dos jugos mais perigosos e daninhos: a libertação do dinheiro”. Outro colega -Victor Nunes Leal- revela um aspecto de sua atuação: “Sobral Pinto é o crítico vigilante da vida pública, o curador da vivência dos amigos, a consciência de cada um de nós”. Foi conselheiro da OAB-Ordem dos Advogados do Brasil por vários anos; foi presidente do Centro Dom Vital em dois mandatos e catedrático de Direito Penal da PUC-Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Na homenagem que recebeu na Câmara Municipal de São Paulo, em 1976, pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, discursou sobre o Golpe de 1964: “Golpe militar. Não foi Revolução. Não havia naquele movimento nenhuma ideia superior; não havia naquele movimento nenhum propósito de realmente trabalhar para a cultura e o progresso do País’. Na década de 1980, início do período de abertura política teve participação ativa no movimento “Diretas Já” e causou sensação ao participar do histórico Comício da Candelária, em 1984. Foi uma das últimas participações públicas, contando já com 91 anos. Faleceu em 30/1/1991
Foi homenageado com seu nome em alguns logradouros públicos, além do prédio da OAB no Rio de Janeiro, que leva seu nome. Deixou uma enorme quantidade de cartas e artigos na imprensa e dois livros sobre a liberdade: Lições de liberdade (1977) e Teologia da libertação (1984). Sua coragem e legado ficaram registrados em algumas biografias: Sobral Pinto: a consciência do Brasil (2001), de John Forster Dules, publicada também em inglês; Sobral Pinto, o advogado (2002), de Aristóteles Atheniense; Heráclito Fontoura Sobral Pinto: toda liberdade é íngreme (2014), de Márcio Scalero, e uma cinebiografia com o documentário Sobral – O homem que não tinha preço, em 2013, dirigido por Paula Fiuza.
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