OS BRASILEIROS: Manuel Querino
José Domingos Brito
Manuel Raimundo Querino nasceu em Santo Amaro, BA, em 28/7/1851. Escritor, pintor, folclorista, antropólogo, documentalista e pioneiro nos registros e valorização da cultura africana na Bahia. Fundador do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia e da Escola de Belas Artes. Foi o primeiro afro-brasileiro a publicar livros sobre a história e cultura brasileira.
Seus pais, ambos negros e livres, faleceram na epidemia de cólera em 1855. Órfão, aos 4 anos, foi apadrinhado pelo prof. Manuel Correia Garcia, da Escola Normal de Salvador. Ainda jovem, viajou pelo Nordeste em busca de oportunidades e foi recrutado pelo Exército no Piauí, em 1868. Graças à boa letra, formação intelectual e ao porte franzino, acabou servindo na “escrita do batalhão” no Rio de Janeiro durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), onde chegou a Cabo de Esquadra.
Retornou à Salvador em 1872 e dedicou-se ao desenho e à pintura, estudando no Liceu de Artes e Ofícios, sob a tutela do professor e artista espanhol Miguel Navarro y Cañizares. Estudou também na Academia de Belas Artes, onde trabalhava. Formou-se em Desenho Geométrico e passou a lecionar no Liceu e no Colégio de Órfãos de São Joaquim. Por esta época publicou 2 livros didáticos sobre desenho geométrico. Além da dedicação à arte, atuou na política, destacando-se no movimento abolicionista, na fundação do Partido Operário e da Liga Operária Baiana. Chegou a travar intensos debates com o médico Nina Rodrigues contra as ideias preconceituosas da ciência na época.
O negro brasileiro reivindicado por Querino tem o talento e a vocação da civilização, em detrimento do português, corajoso e hábil no exercício da força, mas um péssimo colonizador, inimigo das artes, da imprensa, da indústria etc. Era uma pessoa bem articulada, preocupada com a cultura local e foi Conselheiro Municipal em duas ocasiões, entre 1891-1892 e 1897-1899. Sua capacidade intelectual inspirou Jorge Amado a criar o personagem Pedro Archanjo, de seu romance Tenda dos milagres.
Naquela época o “branqueamento” da população era defendido como política oficial de estado e pela ciência, visto que o pensamento dominante pregava que a cultura negra era inferior a branca. Querino defendia a ideia que o "branqueamento" não fazia sentido, pois os africanos já tinham civilizado o Brasil. Assim, não havia necessidade de imigrantes brancos e que os negros eram mais capacitados para enfrentar os desafios da sociedade brasileira. Desse modo, ele antecipou as ideias de Gilberto Freyre no estudo da cultura negra no Brasil.
Pouco depois, afastou-se da política para se dedicar aos estudos de pesquisa e realizou um importante trabalho de documentação e resgate dos nomes mais relevantes nas artes da Bahia. Levantou centenas de nomes, sob o critério do talento independente da origem de classe social. Assim incluiu nomes relevantes, porém menos prestigiados no métier intelectual. Tais biografias -Os artistas bahianos: indicações biográficas- foram publicadas na Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, vol 12, nº 31, 1906. Em seguida o levantamento foi ampliado e publicado em seus livros Artistas bahianos. Imprensa Nacional, 1909 e As artes na Bahia: escorço de uma contribuição histórica, Oficinas do Diário da Bahia, 1913.
Algumas críticas foram feitas ao seu trabalho de levantamento. Porém ressalta-se seu caráter pioneiro, sem o qual não teríamos registro de relevantes nomes de sua época, particularmente os nomes de vertente africana. Teve o mérito de salvaguardar para a posteridade inúmeras informações, que de outro modo se perderiam irremediavelmente, já que outros mais bem dotados para estes estudos não cogitaram de fazê-lo. Seu trabalho foi comparado ao realizado pelo pintor Vasari com sua coletânea de biografias no período Renascentista. Como pintor foi premiado com as medalhas de bronze, prata e ouro no Liceu de Artes e Ofícios e na Academia de Belas-Artes, com menção honrosa (1880) e 2 medalhas de prata (1882 e 1883).
Na condição de antropólogo, deixou um legado precioso para o estudo da cultura afro-brasileira em livros, tais como Costumes africanos no Brasil, publicado pela Ed. Civilização Brasileira (1938); A Bahia de outrora, pela Ed. Livraria Progresso (1954); A Raça africana e seus costumes na Bahia, pela Ed. Livraria Progresso (1955) e O colono preto como fator da civilização brasileira, republicado pelos Cadernos do Mundo Inteiro, em 2018 e à disposição dos leitores no link O-colono-preto-como-fator-da-civilizacao-brasileira-2a-edicao-Cadernos-do-Mundo-Inteiro.pdf (cadernosdomundointeiro.com.br). Completando seu legado deixou um saboroso livro: A arte culinária na Bahia contendo receitas africanas, afro-brasileiras e tradicionais. O livro já foi reeditado diversas vezes e encontra-se na 3ª edição pela Editora Martins Fontes. Faleceu em 14/2/1923.
Manuel Querino: o precursor da Ciência Antropológica no Brasil