Luíz Gonzaga Pinto da Gama nasceu em Salvador, BA, em 21/6/1830. Escravo, soldado, copista, tipógrafo, jornalista, orador, escritor, poeta, rábula e advogado reconhecido pela OAB em 2015, 133 anos após o falecimento. É o “Patrono da Abolição da Escravidão no Brasil” e, segundo o historiador Boris Fausto, dono de uma “biografia de novela”. Um daqueles casos onde a vida real supera a ficção.
Filho de Luisa Mahin, uma negra livre ligada ao movimento de libertação dos escravos, cuja figura foi mitificada pelo Movimento Negro. No entanto não existe documentação alguma confirmando esta informação, levando alguns historiadores a considerá-la uma espécie de alter ego de Luis Gama. Após a Revolta dos Malês, em 1835 (levante de escravos muçulmanos, em Salvador), ela teve que fugir para o Rio de Janeiro e nunca foi encontrada pelo filho. O pai, branco e rico, teve sua fortuna dissipada em jogos e vendeu-o como escravo em 1840 para aplacar a dívida. Foi adquido em leilão por Antonio Pereira Cardoso e passou a viver como escravo doméstico numa fazenda em Lorena (SP)
Após ser alfabetizado, em 1847, fugiu para São Paulo, onde conquistou judicialmente a própria liberdade e passou a trabalhar em diversas atividades. Casou-se em 1850 e passou a frequentar o curso de Direito, como ouvinte, ao lado diversos intelectuais empenahdos na libertação dos escravos. Em 1864, fundou o jornal “Diabo Coxo”, tendo como ilustrador Angelo Agostini, grande caricaturista da imprensa humorística. Dois anos após, com a adesão de Américo de Campos, o trio fundou o semanário “Cabrião”. Em 1869, junto com Ruy Barbosa, fundou o jornal “Radical Paulistano”. Defendia uma pauta antiescravista e republicana e foi um dos fundadores do “Partido Republicano Paulista”, em 1873, em Itu. Nesse meio tempo colaborou com os jornais “Ipiranga”, “Coroaci” e “O Polichinelo”.
A partir daí intensificou sua luta em entidades emancipadoras e sociedades secretas para fugas e ajuda financeira aos escravos e foi líder do movimento “Mocidade Abolicionista e Republicana”. Em seu trabalho como Rábula, atuou na libertação de mais de 500 escravos foragidos. Certa vez, durante um julgamento, proferiu uma frase que se tornou célebre: “O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”. Com isto provocou tamanha reação, obrigando o juiz a suspender a sessão. Sua oratória e defesa intransigente dos escravos conferiu-lhe expressiva popularidade entre os pobres e admiração entre os colegas. Sua descrição por Raul Pompeía é eloquente: “… e Luís Gama fazia tudo: libertava, consolava, dava conselhos, demandava, sacrificava-se, lutava, exauria-se no próprio ardor, como uma candeia iluminando à custa da própria vida as trevas do desespero daquele povo de infelizes, sem auferir uma sobra de lucro…E, por essa filosofia, empenhava-se de corpo e alma, fazia-se matar pelo bom… Pobre, muito pobre, deixava para os outros tudo o que lhe vinha das mãos de algum cliente mais abastado.
Foi também, junto com Ruy Barbosa e Joaquim Nabuco, fundador da “Loja Maçônica América”, bastante ativa na luta abolicionista. Quando faleceu, em 24/8/1882, vitimado por diabetes, era o Venerável Mestre da loja. Consta que foi o maior funeral de São Paulo até hoje não superado pela quantidade de pessoas. A cidade contava com 30 mil pessoas e mais de 3 mil acompanharam o enterro até o Cemitério da Consolação. Para conduzir o caixão foi providenciado um coche funerário, mas a multidão não deixou. Diziam que o “amigo de todos”, como era conhecido, deveria ser levado por todos. Antônio Loureiro de Sousa, em 1949, registrou: “O enterro foi um espetáculo inédito: foi o maior de que há notícia naqueles tempos. A multidão que acompanhou o féretro, com todo silêncio e admiração, era obrigada a parar pelos numerosos discursos que interrompiam o cortejo fúnebre”.
Seus poemas estão vinculados à segunda geração do Romantismo. Mas, segundo o crítico José Paulo Paes, “distanciando-se dos literatos da época pelo seu realismo plebeu… Para ele, ser poeta não era debruçar-se sobre si mesmo, num irremediável narcissimo, mas voltar-se para o mundo, medi-lo com olhos críticos, zurzir-lhe os erros, as injustiças, as falsidades”. Sua única obra – Primeiras trovas burlescas -, publicada em duas edições (1859 e 1861) é considerada um dos expoentes do Romantismo. Alguns críticos reclamaram de Manuel Bandeira por não incluí-lo em seu livro “Apresentação da Poesia Brasileira”.
Foi homenageado com seu nome em logradouros de diversas cidades do País e um busto em frente a Academia Paulista de Letras, onde é o patrono da cadeira nº 15. Em 2006, Ana Maria Gonçalves publicou “Um defeito de cor”, saga brasileira, que foi comparada ao clássico norte-americano sobre a escravidão “Raízes”. Além dessa biografia romanceada, sua vida foi retratada em alguns livros: “O precursor do abolicionismo no Brasil: Luís Gama”, por Sud Mennucci, em 1938; “A trajetória de Luís Gama na imperial cidade de São Paulo”, por Elciene Azevedo, em 1999; “O advogado dos escravos – Luís Gama, por Nelson Câmara, em 2010. Em 2008, foi criado em São Paulo o Instituto Luiz Gama, por um grupo de juristas, acadêmicos e militatantes dos movimentos sociais, cuja missão é lutar contra o preconceito e defesa dos direitos dos negros e das minorias no País.
Atualmente o Instituto Pro Bono mantém o “Prêmio Luiz Gama”, entregue anualmente às pessoas que se destacaram na área da advocacia voluntária e produção de conhecimentos jurídicos. Neste exato momento (setembro de 2019) sua videobiografia, realizada pelo cineasta Jeferson De, está sendo preparada para lançamento ainda este ano. O filme “Prisioneiro da Liberdade”, conta com Fabricio Boliveira no papel principal, contracenando com Zezé Mota e Caio Blatt.