Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

José Domingos Brito - Memorial quinta, 12 de setembro de 2019

OS BRASILEIROS: LAMPIÃO

 

OS BRASILEIROS: LAMPIÃO

Virgulino Ferreira da Silva nasceu em Serra Talhada, PE, em 4/6/1898. Conhecido como “Rei do Cangaço”, por ser o mais bem sucedido líder cangaceiro da história, ganhou o apelido “Lampião” devido a sua capacidade de disparar consecutivamente, iluminando a noite. Desde criança demonstrava certa habilidade como vaqueiro, cuidava do gado, trabalhava com artesanato de couro e conduzia tropas de burros na região da caatinga. Por volta dos 19 anos, chegou a trabalhar para Delmiro Gouveia transportando algodão e couro para a fábrica da Pedra, hoje município homônimo do empresário que o fundou. Esse conhecimento precoce dos caminhos do sertão foi valioso para o futuro cangaceiro.

Era visto como um garoto inteligente, alfabetizado e usava óculos, características incomuns para a região. Ainda menino, ganhou um presente de seu tio, a biografia de Napoleão Bonaparte. Ficou admirado com o traje do imperador, de tal modo que mais tarde adotou o formato do chapéu em meia lua. Copiou também, de Napoleão algumas táticas de combates como a formação de grupos armados e chegou a inovar em algumas táticas de fuga. Ainda hoje conta-se no Nordeste, que ele inventou o “sapato que anda pra trás”. Colocava o salto na frente do sapato, deixando marcas no chão indicando o sentido contrário de suas fugas. As milícias no seu encalço, seguiam o rastro indicando o caminho oposto.

Sua história começa com a família travando uma disputa de terras, quando seu pai foi morto em confronto com a polícia em 1919. Virgulino jurou vingança e, junto com dois irmãos, passou a integrar um bando chefiado pelo cangaceiro Sinhô Pereira. Em 1922, tornou-se líder do bando, nomeado pelo próprio chefe, que resolveu se afastar do bando, devido a dura perseguição da polícia. No mesmo ano matou o informante que entregou seu pai à polícia, e realizou o maior assalto da história do cangaço àquela altura, contra a Baronesa de Água Branca, em Alagoas. A partir daí sua fama vai se alastrando como salteador de pequenas cidades e fazendas em cinco estados do Nordeste.

Foi acusado de roubo de gado, sequestros, assassinatos, torturas, estupros e saques. Entretanto e paradoxalmente, a fama de justiceiro foi se afirmando até se tornar uma espécie de Robin Hood do sertão, que roubava de fazendeiros, políticos e coronéis para dar aos pobres miseráveis. Tal contradição permanece no imaginário popular até hoje. Não se sabe quantos crimes cometeu, mas calcula-se em torno de 200 assaltos, saques, invasões etc. Em 1926, Juazeiro do Norte (CE), não foi saqueada devido a intervenção do Padre Cícero, que o convenceu a não molestar os habitantes. Lampião vinha de uma família católica e tinha admiração e respeito pelo “Padim Cíço”, com o qual manteve certo relacionamento, que foi além do aspecto religioso.

O Padre era um habilidoso e influente político que mantinha boas relações com Floro Bartolomeu, deputado federal pelo Ceará. Por essa época, a Coluna Prestes avançava pelo Nordeste e ameaçava o Governo de Arthur Bernardes. Para o Padre Cícero, só havia em todo Nordeste uma pessoa que poderia derrotar a Coluna e indicou o nome de Virgulino ao deputado. Assim, Floro Bartolomeu organizou uma força de combate composta de sertanejos e jagunços do Cariri, denominada “Batalhões Patrióticos”, e escreveu uma carta convidando Lampião para o combate. Mas antes de enviá-la, pediu ao Padre Cícero para endossar o pedido e enviar ao cangaceiro. Pergunta-se, mas como se deu isso, se Lampião era um bandido procurado pela polícia? O fato é que naquela época a politica local era o que imperava, e o pragmatismo (e oportunismo) politico também. Lampião viu ali uma boa oportunidade para largar o cangaço e seguir a vida como respeitável homem do Governo.

Em 12/3/1926, seguiu para Juazeiro com 50 homens e ficou acampado próximo a cidade. Padre Cícero foi ao seu encontro em comitiva e lhe outorgou uma patente de capitão dos Batalhões Patrióticos, assinada por um funcionário do Ministério da Agricultura, ou seja, um documento sem valor algum. Além dele, os capangas receberam patentes inferiores e todo o grupo recebeu fuzis automáticos, muita munição e cem contos de réis. Um conto equivale mais tarde a mil cruzeiros. O agora “Capitão Virgulino” parte para o confronto com a Coluna Prestes. Como não era ingênuo, resolveu testar sua autoridade. Mandou um recado aos seus desafetos em Pernambuco (Vila de Nazaré), querendo saber como seria recebido na condição de oficial do Exercito Patriótico. A resposta dos nazarenos foi concisa: “à bala”.

Desapontado com sua pseudolegalidade, quis falar com o Padre Cícero, mas não foi recebido. Interrompeu sua curta carreira militar de defensor público e retoma a vida de cangaceiro, agora mais rico e bem mais armado, aterrorizando os sertões nordestinos. Vendo assim, o próprio “Estado” colaborou significativamente para o sucesso posterior do cangaço. Confiando em sua tropa armada com fuzis automáticos, decidiu atacar a grande cidade de Mossoró (RN), em 13/6/1927. O bando entrou na cidade dividido em quatro subgrupos. Avisado previamente do ataque, o prefeito Rodolfo Fernandes organizou uma tropa, distribuiu seu pessoal em quatro torres da cidade e derrotou o bando. Até hoje a cidade mantém orgulhosa o “ Memorial da Resistência”, que retrata a história da única cidade que botou o bando de Lampião para correr. As invasões e ataques nas cidades e fazendas seguiram seu curso em outros estados chegando até a Bahia, onde o bando incorporou novos cangaceiros e uma namorada: Maria Bonita. .

Em dezembro de 1929, entrou em Queimadas (BA); cortou os fios do telégrafo; sequestrou os telegrafistas e pediu um resgate de 500 mil réis. Depois, foi até a cadeia, prendeu o sargento e sete soldados. Foi almoçar e depois voltou para a cadeia e soltou todos os presos. Mandou os soldados ajoelharem e matou todos. Pela tarde, saqueou o comércio, conseguindo 20 contos de réis. À noite foi ao cinema e depois mandou fazer um baile. Como se vê, o cabra era violento, vaidoso e festeiro. Pouco depois invadiu a cidade de Quinjigue. Após o saque e matar alguns, fez outro baile e distribuiu dinheiro entre a população carente. Pelo visto, era também caridoso. Foi na Bahia, na cidade de Santa Brígida (Raso da Catarina), em dezembro de 1930, que ele conheceu Maria Bonita, casada com um sapateiro, mas apaixonada pelo cangaceiro. Ela juntou-se ao grupo, sendo a primeira mulher a participar do cangaço.

No mesmo ano sua fama chegou aos EUA, numa reportagem publicada no “New York Times”, sobre a violência no Brasil. Em 1931, Corisco, seu fiel escudeiro, também encontrou uma namorada – Dadá – logo incorporada ao bando. A partir daí a presença feminina no bando é constante. Em 1932, Maria Bonita teve uma filha: Expedita Ferreira Nunes. Na Bahia os ataques prosseguem em diversas cidades e fazendas. A certa altura recebeu uma informação para tomar cuidado, pois a volante do Capitão Bezerra estava no seu encalço. “Diga a ele que não tenho medo nem de boi velhaco, quanto mais de bezerra”, foi sua reposta. O Governo baiano espalhou um cartaz oferecendo uma recompensa de 50 contos de réis para quem entregasse, “de qualquer modo, o famigerado bandido”. Seria algo como 200 mil reais hoje em dia, e isto fez com que retornassem à Sergipe. A legislação da época, que proibia a polícia estadual de agir além de suas fronteiras, favorecia a ação do bando, que ficava permanentemente viajando ente os estados do Nordeste.

O ex-secretário do Padre Cícero, Benjamin Abraão, fotógrafo e metido a cineasta conseguiu um encontro com Lampião, em 1936, e convence-o a se deixar fotografar e filmar junto com todo o bando. Foram vários encontros com o fotógrafo e em 6/3/1937 saiu uma reportagem na revista “O Cruzeiro” intitulada “Filmando Lampião”, que irritou Lourival Fontes, chefe do DIP-Departamento de Imprensa e Propaganda, do Governo Vargas. O filme foi apreendido e fez com que o Governo desse ordens expressas de capturar o famigerado cangaceiro. Em 27/6/1938, o bando acampou na fazenda Angicos, situada no sertão de Sergipe. Era noite, chovia muito e todos dormiam em suas barracas. Por volta das 5hs. do dia 28, os cangaceiros levantaram para rezar o ofício e se preparavam para tomar café, quando um cangaceiro deu o alarme. Era tarde demais. Os policiais do Tenente João Bezerra e do Sargento Aniceto Rodrigues da Silva abriram fogo com metralhadoras portáteis, e os cangaceiros não tiveram chance de defesa.

Foram todos decapitados e suas cabeças fizeram um “tour” por diversas cidades. No trajeto, o tenente Bezerra exibia as cabeças por onde passava, atraindo uma multidão de pessoas. Os “troféus” estiveram em Piranhas, onde foram arrumados na escadaria da Prefeitura, junto com armas e apetrechos dos cangaceiros, e fotografados. Depois seguiram para Salvador, onde permaneceram por seis anos na Faculdade de Odontologia da UFBA. Em seguida ficaram expostas no Museu Antropológico Estácio de Lima, do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues por mais de 30 anos. Durante muito tempo, as famílias de Lampião, Corisco e Maria Bonita lutaram para dar um enterro digno a seus parentes. O economista Sílvio Bulhões, filho de Corisco e Dadá, em especial, empreendeu esforços para sepultar os cangaceiros e parar, de uma vez por todas, aquela macabra exibição pública.

O enterro dos restos mortais só ocorreu depois do Projeto de Lei nº 2.867, de 24/5/1965. Tal projeto teve origem nos meios universitários de Brasília, logo reforçado por pressões sociais e do Clero. As cabeças de Lampião e Maria Bonita foram sepultadas no dia 6/2/1969. Tais fatos contribuíram para ampliar e eternizar o mito, que antes mesmo já era conhecido internacionalmente. Em 1953, o filme O Cangaceiro, dirigido por Lima Barreto, foi o primeiro a conquistar as telas do mundo e ganhou o prêmio de melhor filme de aventuras e de melhor trilha sonora, com a música Mulher Rendeira.

Um fato interessante e pouco divulgado é que Mulher Rendeira é uma música composta pelo próprio Lampião. Isto foi confirmado por alguns biógrafos e recebeu a chancela de Câmara Cascudo, segundo o qual Lampião teria escrito a letra em homenagem ao aniversário de sua avó, que era rendeira, em 1922. Tornou-se um hino de guerra dos cangaceiros, tendo inclusive relatos de que muitos ataques às cidades teriam sido feitos com os cangaceiros cantando Mulher Rendeira.

 


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