OS AMORES DA ESTRELA
Alberto de Oliveira
A Capistrano de Abreu
Fragmento do
Sábio inglês
Magoada, Musa, o olhar desconsolado,
Vens d’esse canto estéril de poesia,
Por mim forçosamente perpetrado.
N’ele a fímbria do céu não viste; a fria
Ciência, o frio estudo, o amado aspecto
D’alva acendendo as púrpuras do dia,
Roubou-te! E enquanto em peregrino afeto,
A ave cantava, o mar, o espaço, a terra,
Tu forjavas científico terceto.
Magoada Musa, as pálpebras descerra
Um pouco e a luz do sol sedenta bebe,
Longe do Sábio, longe da Inglaterra.
Meiga, em teu colo agora me recebe,
E, da áurea lira as cordas afinando,
Trava-a e suspende-a nos teus braços de Hebe:
Pois que o leitor, piedoso, descansando
Aqui, de já prostrado, te consente
Diversa cantes, e, a cantar, o bando
Ora das aves sigas, molemente,
Ora das soltas borboletas, ora
Das flechas de ouro do carcás do Oriente.
E enquanto, Musa, a vista se demora
N’esta manhã e em feria estás, enquanto
Punge os frisões, no etéreo carro, a Aurora,
Conta, o metro escandindo à voz do canto,
Como a estrela de prata, a imaculada
Estrela d’alva, a perola do manto
Celeste, à rósea luz da madrugada,
Na imensa altura estremeceu nervosa,
Como cândida noiva despertada.
Já, sob o palio azul, a tenebrosa
Noite as estrelas nítidas e belas
Prendera ao seio, como mãe piedosa.
De umas as brancas lúcidas capelas,
De outras o manto, as clâmides de linho,
Viam-se à luz da lua. Estas e aquelas,
Todas no lácteo sideral caminho
Dormiam, como um bando alvinitente
De aves, à sombra, entre os frouxeis de um ninho.
Vésper, porém, chorava: ela somente
De pé, cismando, o níveo olhar, mais níveo
Que a prata, abria na amplidão dormente.
Mirava todo o célico declívio,
Como buscando alguém que desejava,
Qual se deseja alguém que é doce alívio.
Só, no espaço desperta, como a escrava
Romana, ao pé do leito da senhora
Velando à noite, a mísera velava.
Um deus de formas válidas adora:
São seus cabelos ouro puro, o peito
Veste a armadura de cristal da aurora.
Quando ele sai das púrpuras do leito,
O arco na mão, parece de diamantes
E rosados rubins seu rosto feito.
Dera por vê-lo agora as cintilantes
Lágrimas todas, límpido tesouro,
Que tem nas longas pálpebras brilhantes...
Mas soa de repente um grande coro
Pelas cavas abobadas. . . e logo
Assoma ao longe um capacete de ouro.
O deus ouviu-lhe o suplicante rogo,
Ei-lo que vem! seu plaustro os ares corta...
Ouve o relincho aos seus corcéis de fogo...
Já do roxo Levante abriu-se a porta...
E ao ver-lhe o vulto e as chamas da armadura,
Fria, trêmula, muda, e quase morta,
Vésper desmaia na infinita altura.