ORLANDO TEJO SE ENCANTOU
Raimundo Floriano
Orlando Tejo, Campina Grande, 1935 – João Pessoa, 2018
Orlando Tejo era poeta, repentista, escritor, jornalista, bacharel em Direito, guru da intelectualidade brasileira e funcionar aposentado do Senado Federal
Quando residia em Brasília, era amigo de minha casa e de minha família, além de companheiro de saraus que varavam a madrugada, armações inesquecíveis e memoráveis presepadas, uma delas narrada em meu livro Do Jumento ao Parlamento.
Encantou-se anteontem, 1º de julho de 2018, entregando a alma ao Pai Eterno. Foi encontro da Príncipa, como carinhosamente chamava a Josimar, sua amada esposa.
Dentre as joias literárias que nos deixou, tenho aqui comigo os livros A Hora e a Vez do Jumento, peça teatral em parceira com Esmeraldo Braga, e Zé Limeira, o Poeta do Absurdo, clássico da literatura nordestina, no qual se constata ter sido ele portador de um dom sobrenatural, sua magnífica memória: desde menino, sem dispor de gravador, após presenciar uma cantoria ou peleja entre repentistas, a reproduzia fielmente, transcrevendo-a em seus cadernos.
A seguir, alguns de seus poemas, inclusive Não Aguento Mais, deplorando a invasão de termos estrangeiros na Língua Portuguesa, que vocês lerão ao final.
Soneto dos Dedos que Falam
Que importa que foguetes cruzem marte
E bombas de hidrogênio acabem tudo,
Se aos meus dedos, teus dedos de veludo
Ensinam que o amor é também arte?
Não desejo mais nada além de amar-te
E em êxtase viver, absorto e mudo,
Sorvendo da ternura o conteúdo
Que antes te buscava em toda parte!
Esses dedos que afago entre meus dedos,
Que acaricio a desvendar segredos
De amor nestes momentos que nos prendem,
Têm qualquer coisa que escraviza e doma,
Porque teus dedos falam num idioma
Que só mesmo meus dedos compreendem!
Conceição 63
Rua da Conceição, sessenta e três
A artéria tem o ar de um cais comprido
Aqui, anos sem fim tenho vivido
Buscando a infância azul que se desfez.
Talvez seja isso um sonho, mas talvez
Este meu velho abrigo tenha sido
Da mesma argila minha construído,
Porque é a mesma a nossa palidez!
Ele a mim se assemelha: é ermo e triste.
No jardim, no quintal, no chão, no teto
Em tudo a mesma semelhança existe.
No tempo, entanto, aos céleres arrancos,
O seu telhado vai ficando preto
E os meus cabelos vão ficando brancos
Impasse
Se ficar onde estou não faço nada,
Se sair por aí corro perigo,
Se me calo minh’alma é sufocada,
Se disser o que sei faço inimigo…
Se pensar vou trair a madrugada
E se sonho demais vem o castigo,
Se quiser subo até o fim de escada,
Mas precisa brigar, e eu não brigo!
Se cantar atropelo o contracanto,
Se não canto maltrato o coração,
Se me faço sofrer me desencanto,
Se reprimo o ideal perco a razão,
Se perder a razão, resta-me o pranto
E meu pranto não faz uma canção.
Não Aguento Mais
Eu saí da Paraíba,
Minha terra tão brejeira,
Pra fazer publicidade
Na Veneza Brasileira
Onde a comunicação
É toda em língua estrangeira.
É uma ingrizia só
O jeito de se falar,
O que a gente não compreende,
Passa o tempo a perguntar
E assim como é que eu vou
Poder me comunicar?
É bastante abrir-se a boca
O “Inglês” fala no centro,
Nessa Torre de Babel
Eu morro e não me concentro
Até parece que estamos
De Nova Iorque pra dentro!
Lá naquele fim de mundo
Esse negócio tem vez
Porque quem vive por lá
O jeito é falar Inglês,
Mas, se estamos no Brasil
O jeito é falar Português!
Por que complicar a guerra
Em vez de se esclarecer?
E se “folder” é um folheto
Por que assim não dizer?
Pois quem me pedir um “folder”
Eu vou mandar se folder.
Roteiro é “story board”
Nesse vai e vem estrangeiro,
Parece até palavrão
Que se evita o tempo inteiro...
Porque seus filhos das putas,
A gente não diz roteiro?
Estão todos precisando
Dos cuidados do Pinel
Será feia a nossa língua?
É chato nosso papel?
Por que esse tal de “out door”
Substituir painel?
É desrespeito à memória
De Camões que foi purista
E esse massacre ao vernáculo
Não aguenta o repentista
Pois chamam “lay out-man”
O homem que é desenhista!
Matuto da Paraíba,
Aqui juro que não fico,
Onde até se tem vergonha
De um idioma tão rico
Por que se chamar de “free-lancer”
Um sujeito que faz bico?
Publicidade de rádio
Apelidaram de “spot”
E tem outras besteiradas
Que não cabem num pacote.
Acho que acabou o tempo
De acabar esse fricote!
Por exemplo: “body type”
“Midia”, “top”, “merchandising”,
“Checking list”, “past up”
(Que se diga de passagem)
“Brieffing”, “Top de Marketing”,
Tudo isso é viadagem!
Já é hora de parar
Com esse festival grosso
Para que o nosso idioma
Saia do fundo do poço.
Para isso eu faço esse “raff”,
Isto é –perdão! – esboço!