Fernanda Bassette, Especial para o Estado
19 Agosto 2018 | 03h00
Com a ajuda de uma clínica especializada, ela e o marido, o administrador de empresas Jefferson Gomes, de 45 anos, engravidaram de um casal de gêmeos na primeira tentativa – o que é incomum na reprodução assistida. “Eu não pensava em adotar. Queria ficar grávida, sentir meus filhos crescerem dentro de mim, o meu sangue alimentando os bebês.”
Ela diz ter sido alertada pelo médico dos riscos aumentados de pré-eclâmpsia, de diabete gestacional e de parto prematuro, mas afirma que a gravidez foi tranquila. “Fui acompanhada por outros médicos, fazia exames de rotina e Anthony e Valentina nasceram saudáveis com 36 semanas de gravidez.” Os bebês ficaram 20 dias na UTI para ganho de peso.
Hoje com 2 anos e 3 meses, eles são cuidados por Vera, que deixou o emprego para se dedicar aos filhos. O peso da idade, diz, não atrapalha. “Faço tudo em dose dupla: dou banho, alimento, levo à escola, brinco. Tudo isso com pique total”, conta.
Dados do Ministério da Saúde apontam que entre 2007 e 2016 o total de mães após os 50 cresceu 37% – de 261 para 358 (média de quase um parto por dia). Segundo José Hiran Gallo, presidente da Câmara Técnica de Reprodução Assistida do Conselho Federal de Medicina (CFM), o número pode até parecer pequeno, mas mostra tendência de aumento de casos de busca pela maternidade tardia.
Por um curto período, o CFM chegou a vetar processos de reprodução assistida para mulheres com mais de 50, mas essa proibição caiu em 2015 diante do aumento da demanda. “A resolução sempre teve como foco preservar a saúde da mulher, nunca prejudicar. Mas fomos percebendo que as mulheres estão cada vez mais saudáveis e vivendo por mais tempo. Por que tirar delas a chance de serem mães?”, disse Gallo.
Depois disso, diante do aumento da procura, o CFM pede que mulheres interessadas nesses tratamentos assinem termo de consentimento, em que se dizem cientes dos riscos maiores de problemas na gestação. “A melhor idade para engravidar é entre 17 e 25 anos, mas sabemos que isso ocorre cada vez menos. Uma gravidez natural após os 50 anos é raríssima e improvável. Por isso existem as técnicas de reprodução assistida”, diz.
Útero saudável. O maior entrave para engravidar após os 50 é com relação a óvulos – quanto mais velha a mulher estiver, pior a qualidade do óvulo. Além disso, com a menopausa ela para de produzi-los, o que torna remota a chance de gravidez natural. Entre as alternativas estão congelar óvulos quando for mais jovem ou recorrer à ovodoação (quando recebe o óvulo de doadora mais jovem, com características físicas similares).
Segundo o especialista em reprodução humana Alfonso Araújo Massaguer, o útero não envelhece na mesma velocidade que os óvulos, portanto, se a mulher tiver útero saudável e saúde em dia, suas chances de engravidar giram em torno de 60%. “Se a mulher recorrer à ovodoação, por exemplo, os riscos de abortamento e síndrome de Down são baixíssimas”, diz. Mas o médico reforça que ainda há os riscos relacionados ao final da gravidez, como diabete, hipertensão e parto prematuro.
A corretora de imóveis Vânia Aparecida de Souza, de 52 anos, já era avó e tinha dois filhos do primeiro casamento quando decidiu ser mãe de novo, com o atual marido, o pastor Jeovan Souza, de 48. Como não estava em menopausa, buscou ajuda na reprodução assistida – e conseguiu na primeira tentativa.
Vieram gêmeos: Jeovan Isaque e Sara Raquel, hoje com 2 anos e 3 meses. Apesar de ter pressão alta, ela diz que foi monitorada e teve gestação tranquila. “Cuido e brinco com eles, mas confesso que não tenho o mesmo pique de anos atrás. Mas, mesmo assim, não tenho nenhum arrependimento” diz. Segundo ela, não há incômodo quando perguntam se é avó das crianças. “Respondo que sou a mãe e pronto. Não me abala.”
Criação. Para a psicóloga Jureuda Duarte Guerra, do Conselho Federal de Psicologia, a diferença de idade entre pais e filhos e até mesmo entre irmãos de gerações diferentes não são motivos para preocupação. “Hoje em dia as famílias são construídas das mais variadas formas. Mães mais velhas, pais mais novos, casais homoafetivos, mães independentes. A maternidade em qualquer fase da vida é um direito reprodutivo da mulher”, afirma ela. “Temos de desmitificar essa visão de que a mulher não pode ser mãe mais velha. Se algo acontece a ela, essa criança ainda tem o pai. O que importa para o desenvolvimento da criança é viver em ambiente feliz e com amor.”
Casada há 23 anos, a aeroviária Leslie Biasi passou por quatro abortos espontâneos antes de conseguir engravidar aos 50 e dar à luz os gêmeos Enrico e Lorenzo, hoje de 1 ano e 3 meses.
Ela tentou a gestação natural por oito anos e, após quatro perdas quase consecutivas, achou que nunca realizaria seu sonho. Os abortos eram sempre entre a 8.ª e a 12.ª semana, o que fez a aeroviária investigar mais profundamente as causas.
Descobriu ter trombofilia – doença causadora de coágulos que “entopem” o cordão umbilical, impedindo a chegada de oxigênio e de nutrientes ao feto.
A aeroviária deixou de lado o plano da gravidez entre 2008 e 2014, quando cogitou adotar. Mas a burocracia e o tempo de espera por um recém-nascido desanimaram Leslie outra vez. “Nesse período desisti. Estava cansada emocionalmente e psicologicamente”, afirma ela, que passou por dois anos de terapia.
Em 2015, foi encorajada pela ginecologista a tentar de novo. Leslie procurou outro especialista e engravidou de trigêmeos na primeira tentativa – depois um dos fetos parou de se desenvolver. Com medo de nova perda, escondeu a gestação da família até completar quatro meses. Para driblar a trombofilia, teve de aplicar injeção diária na barriga de um anticoagulante.
Para ela, nada mudou na rotina por ter dado à luz gêmeos com 50 anos. Leslie, conta, continua trabalhando e lê muitos livros sobre maternidade, para ajudá-la nessa tarefa. “Cuido dos meus filhos normalmente e com muito pique”, diz. “Às vezes me pego pensando até quando terei saúde para estar ao lado deles, mas não deixo isso me abalar. Não me arrependo de nada e faria tudo de novo.”