A cena de abertura de “Onde está meu coração” tem muitos minutos. Leticia Colin (Amanda) e Daniel de Oliveira (Miguel) estão na cama. Logo, a moça vai para o chuveiro, e ouve-se a longa “Wild is the wind”, de David Bowie. Ela parece alterada e ele, preocupado. A beleza da canção e a entrega dos atores nessa sequência consegue dar pistas da profundidade do drama que acomete o casal, mesmo sem tantos diálogos. A sequência resume o que mais impressiona na produção: embora dona de grande ambição artística, ela nunca deixa de lado a importância do que está narrando. Assim se desenrola a trama de todo o primeiro capítulo da série da consagrada dupla George Moura e Sergio Goldenberg que chega nesta terça-feira, 4, ao Globoplay.
Leticia, uma das melhores atrizes de televisão da sua geração, vive uma médica que atende na emergência de um grande hospital e enfrenta casos difíceis. Seus pais descobrem que ela está usando crack, o que faz disparar o conflito que puxa a história. A mãe, Sofia (Mariana Lima), e o pai, David (Fabio Assunção), procuram a filha para uma conversa. Eles vivem em Santos, mas vão a São Paulo, preocupados. Ela falta ao encontro. Frustrados, os dois discutem. Velhas mágoas vêm à tona. Um culpa o outro pela doença de Amanda. Finalmente, se decidem pela internação. Entendemos que David já viveu algo parecido e ainda convive com algum vício; que ele também é médico e bem-sucedido; que eles perderam um filho no passado. A tensão vai subindo progressivamente. Quando o capítulo termina, estamos familiarizados com a tristeza que domina a família.
Há um ponto de curiosa sincronia com o momento que estamos vivendo. Ainda no primeiro bloco, Amanda atende uma moça que parece estar sufocando. Ela se dirige à mãe da paciente dizendo, com firmeza: “Ela precisa ser intubada. É um procedimento simples, ela vai ficar ótima” (e isso não acontece). Como se sabe, a série é anterior à pandemia, quando a maior parte do público não tinha sequer intimidade com a palavra “intubação”. Mas a coincidência só reforça a ideia de que “Onde está meu coração” consegue construir um universo próprio e carregar o espectador para ele. Mais uma vez, George Moura e Sergio Goldenberg mostram que são capazes de ir longe.