29 de junho de 2020 | 14h00
Aos 104 anos, que completa nesta quarta, 1.º, Olivia De Havilland não é só um fenômeno de longevidade, mas certamente ter chegado tão longe acrescentou à lenda da doce Melanie de ...E o Vento Levou.
O clássico agora contestado por seu racismo estreou em 15 de dezembro de 1939, há mais de 80 anos, quase 81. É a mais antiga atriz ainda viva a ter vencido o Oscar, a única vencedora dos anos 1940 ainda viva, a última das grandes estrelas da era de ouro dos estúdios ainda viva. Aos 101 anos, há três, portanto, foi a mais velha mulher a receber o título de Dame do Império Britânico pela Rainha Elizabeth II.
Dame Olivia Mary De Havilland nasceu em Tóquio em 1.º de julho de 1916. A mãe era uma atriz de teatro inglesa que foi visitar o irmão na capital japonesa. Conheceu um amigo dele, filho de um reverendo britânico. Casaram-se e tiveram as filhas Olivia e Joan, ambas nascidas no Japão. Mas não foi um conto de fadas. Olivia tinha a saúde frágil e a mãe convenceu o marido a voltar à Inglaterra. Pararam na Califórnia, onde o clima era bom para a filha, mas o filho do reverendo abandonou a família, preferindo retornar ao Japão, e à amante gueixa. Qual era a possibilidade de duas irmãs que se detestavam - ao que consta por um incidente de infância, quando Olivia, a mais velha, rasgou o vestido de Joan – pudessem virar grandes estrelas de Hollywood? Ocorreu com elas – mais um recorde, as duas únicas irmãs a terem vencido o Oscar, e Olivia ganhou duas vezes. Ela manteve o nome da família, Joan adotou o do segundo marido da mãe e virou Joan Fontaine.
Joan ganhou o Oscar de melhor atriz de 1941 por Suspeita, o clássico de Alfred Hitchcock, derrotando Olivia, que concorreu com ela por A Porta de Ouro/Hold Back the Dawn. Olivia venceu em 1947 e 50, por Só Resta Uma Lágrima/To Each His Own e Tarde Demais/The Heiress. Curiosidade – seu diretor em A Porta de Ouro, Mitchell Leisen, foi o mesmo de Só Resta Uma Lágrima. Estava escrito que teria de vencer por um filme dele. Sobre a rivalidade com a irmã, que se tornou lendária em Hollywwod, Joan teria dito: “Ela me odeia porque sou a primeira em tudo. Casei-me primeiro, ganhei o Oscar primeiro, provavelmente vou morrer primeiro.” E morreu – em 2013, aos 96 anos. Olivia continua. No ano passado, para mostrar que continuava em forma, passeou de bicicleta para comemorar os 103. O que fizer para comemorar os 104 terá de ser em Paris.
Radicou-se na França nos anos 1950, quando se casou, em segundas núpcias, com o ex-editor de Paris Match, Pierre Galante. Divorciaram-se em 1979, mas permaneceram os melhores amigos e ela o assistiu na doença, quando ele morreu de câncer, quase 20 anos depois. Em 2010, recebeu do então presidente Nicolas Sarkozy a Legion D' Honneur. “A senhora honra a França por nos haver escolhido, Madame.”
Cinéfilo de carteirinha reconhecerá. A frase de Sarkozy é a versão ligeiramente adaptada da que Errol Flynn diz a Libby/Olivia quando parte para morrer no clássico O Intrépido General Custer, de Raoul Walsh, de 1941 - “Viver com a senhora foi uma honra, madame.” Foram oito filmes com Flynn, incluindo Capitão Blood, A Carga da Brigada Ligeira e As Aventuras de Robin Hood, esse em parceria com William Keighley e todos clássicos. Com Bette Davis, de quem era grande amiga, foram cinco filmes, um também com a dupla Flynn/Curtiz, Meu Reino por Um Amor, de 1939, e o último, Com a Maldade na Alma/Hush, Hush Sweet Charlotte, de Robert Aldrich, de 1964, no ocaso das duas estrelas. Invertendo papeis, Olivia era a prima Miriam que submetia a pobre Bette à tortura psicológica. De malvada, Bette só tinha a fama.
O sucesso como 'boazinha' – nos filmes de Curtiz, em ...E o Vento Levou – foi um tormento para ela. Condenou Olivia a um tipo de papel. Era sempre a esposa, a abnegada, a dama. Brigou na Warner, que a mantinha sob contrato, para ter papeis mais fortes. Recusou vários filmes, o estúdio suspendeu-a. Quando terminou seu contrato padrão de sete anos e ela estava livre para fazer os filmes que queria, a Warner tentou descontar a suspensão. Olivia foi à Justiça e teve ganho de causa. Criou jurisprudência na defesa dos direitos de atores e atrizes. Até a irmã, Joan, teve de reconhecer - “Hollywood deve muito a Olivia.”
Deve mesmo. A boazinha era durona, boa de briga. Ela ganhou dois Oscars, mas preferiria ter vencido por The Snake Pitt/Na Cova das Serpentes, de Anatole Litvak, de 1948, mas por esse foi apenas indicada. A história de uma mulher que sofre um colapso e é internada, conhecendo, de dentro, o horror do sistema manicomial. De novo, Olivia fez história – o filme repercutiu tanto que deu origem a uma investigação do Congresso dos EUA que resultou em limitações quanto a internações e tratamentos com drogas. Pelo longa de Litvak, ela pode ter perdido o Oscar, mas ganhou a Copa Volpi no Festival de Veneza. Para ficar no âmbito dos festivais, foi a primeira mulher a presidir o júri de Cannes, em 1965. Só para constar – seu júri outorgou o Grand Prix (houve um período sem Palma de Ouro) a uma comédia – A Bossa da Conquista, de Richard Lester.
Atribuiu também o prêmio especial a Kwaidan/As Quatro Faces do Medo, de Masaki Kobayashi, e deu um duplo prêmio de interpretação a Terence Stamp e Samantha Eggar por O Colecionador, de William Wyler, que havia sido seu diretor em Tarde Demais. Cannes homenageou-a, e a outras mulheres, em 2015, com um prêmio de carreira – Women in Motion. Recompensas nunca faltaram – além dos Oscars, Globos de Ouro, no plural, por papeis no cinema e na TV, o National Board of Review, o prêmio do Círculo dos Críticos de Nova York, etc. Talvez o maior elogio feito a ela tenha sido o de Katharine Hepburn, outra lenda dos anos de ouro. Quando lhe pediram que conselho daria a um jovem ator ou atriz, Kate foi taxativa - “Nunca exagere. Olhe Spencer Tracy, Humphrey Bogart. Ou, melhor, observe Olivia De Havilland em Tarde Demais e verá o que realmente é uma interpretação superior.”
Sobre a lendária longevidade, vale lembrar que Olivia ultrapassou Kirk Douglas, que morreu em fevereiro, aos 103. Quando fez 100 anos, foi capa da revista Frontiers, com o título Oscar's Last Queen. A última rainha do Oscar. Olivia já brincou. “Já que cheguei aqui, quero ir até os 110.”
TRAILER DE E O VENTO LEVOU: