A vida religiosa da capitania tinha como centro a matriz do Salvador do Mundo, sendo ela, em todo século XVI e início do século XVII, a segunda igreja em importância da América Portuguesa, depois da Sé da Bahia. O grande templo foi parcialmente concluído em 1540, apresentava-se com três naves, tendo na portada duas colunas geminadas. O padre Fernão Cardim assim o descreve em 1584: “uma formosa igreja matriz, de três naves, com muitas capelas ao redor, e que acabada ficaria uma boa obra”.
Preocupou-se o primeiro donatário não somente com a implantação da agroindústria açucareira, mas também com a educação da juventude e, muito particularmente, com a catequese dos indígenas, tendo para isso entregue aos padres da Companhia de Jesus, em 1551, a ermida de Nossa Senhora da Graça, por ele construída na mais alta elevação da vila. Coube aos padres Manoel da Nóbrega e Antônio Pires coordenarem o nivelamento do terreno e nele iniciar a construção, junto à primitiva igreja, do edifício do Colégio de Olinda. As obras se prolongaram por toda a segunda metade do século XVI, juntamente com a instalação de um Horto Botânico destinado à aclimatação das plantas exóticas, trazidas da Europa e do Oriente para Pernambuco.
Também as ordens religiosas procuraram estabelecer os seus conventos em terras da nova capitania. Inicialmente, como já vimos, foram os Jesuítas (1551), seguindo-se dos Franciscanos (1585), Carmelitas (1588) e Beneditinos (1592).
Ruínas da Sé em Olinda – Frans Post
Uma visão de Olinda, no início do século XVII, nos é dada por Ambrósio Fernandes Brandão, em Diálogos das grandezas do Brasil (16l8):
Dentro na Vila de Olinda habitam inumeráveis mercadores com suas lojas abertas, colmadas de mercadorias de muito preço, de toda a sorte em tanta quantidade que semelha uma Lisboa pequena. A barra do seu porto é excelentíssima, guardada de duas fortalezas bem providas de artilharia e soldados, que as defendem; os navios estão surtos da banda de dentro, seguríssimos de qualquer tempo que se levante, posto que muito furioso, porque têm para sua defensão grandíssimos arrecifes, a onde o mar quebra. Sempre se acham nele ancorados, em qualquer tempo do ano, mais de trinta navios, porque lança de si, em cada um ano, passante de 120 carregados de açúcares, pau-brasil e algodão. A vila é assaz grande, povoada de muitos e bons edifícios e famosos templos, porque nela há o dos Padres da Companhia de Jesus [1551], o dos Padres de São Francisco da Ordem Capucha de Santo Antônio [1585], o Mosteiro dos Carmelitas [1588], e o Mosteiro de São Bento [1592], com religiosos da mesma ordem.
A riqueza de Olinda, por sua vez, era sustentada pelas mercadorias exportadas através porto de Pernambuco, notadamente o açúcar. Sua importância nas relações comerciais com o norte da Europa, é ressaltada em grande parte dos documentos do século XVI e início do século XVII, graças à produção do açúcar, que passara de gênero de alto luxo a produto acessível às classes de menor poder aquisitivo. Tal riqueza veio despertar a cobiça dos piratas e corsários, tornando as caravelas (navios pequenos e mal-armados), em presas fáceis. Informa K. R. Andrews que, entre 1589 e 1591, Portugal perdeu para corsários ingleses nada menos que 34 navios, em sua maioria procedentes dos portos de Pernambuco e da Bahia.
Em 1589, segundo fonte jesuítica, num período de nove meses, foram apreendidos por ingleses e franceses 73 navios carregados.
Na primeira metade do século XVII a riqueza da capitania de Pernambuco, bem conhecida em todos os portos da Europa, veio despertar a cobiça dos Países Baixos. Em guerra com a Espanha, sob cuja coroa se encontrava Portugal e suas colônias, necessitava a Holanda e demais repúblicas de todo açúcar produzido no Brasil para suas refinarias (26 só em Amsterdã). Com o insucesso da invasão da Bahia (1624), onde permaneceram por um ano, mas com o valioso apoio de Isabel da Inglaterra e Henrique IV da França, rancorosos inimigos da Espanha, a Holanda, através da Companhia das Índias Ocidentais, formada pela fusão de pequenas associações, em 1621, cujo capital elevara-se, em pouco tempo, a 7 milhões de florins, voltou o seu interesse para Pernambuco.
A produção de 121 engenhos de açúcar, “correntes e moentes” no dizer de van der Dussen, (¹) viria a despertar a sede de riqueza dos diretores da Companhia, que armou uma formidável esquadra sob o comando do almirante Hendrick Corneliszoon Lonck. Uma grande armada, com 65 embarcações e 7.280 homens, apresentou-se nas costas de Pernambuco em 14 de fevereiro de 1630, iniciando assim a história do Brasil Holandês.
A Vila de Olinda, uma das mais abastadas da América Portuguesa, cujo fausto era comparado com Lisboa e Coimbra, não se perturbara com os boatos da chegada dês uma grande armada .
Nas ruas os seus habitantes, aproveitando as festas pelo nascimento do príncipe Baltasar, herdeiro do trono de Espanha, vestiam seda e damasco, montavam em garbosos cavalos ajaezados em prata, com o som de suas cascavéis a chamar a atenção de sua passagem.
Senhores da terra, os holandeses escolheram o Recife como sede dos seus domínios no Brasil, por ter nesta praça a segurança que não dispunham em Olinda, “por ser aberta por muitas partes e incapaz de defesa”, na observação de Diogo Lopes Santiago (História da Guerra de Pernambuco).
Na noite de 25 de novembro de 1631, resolveram os chefes holandeses pôr fogo na sede da capitania de Pernambuco, “a infeliz vila de Olinda tão afamada por suas riquezas e nobres edifícios, arderam seus templos tão famosos, e casas que custaram tantos mil cruzados em se fazerem” (Santiago).
O soldado da Companhia das Índias Ocidentais, Ambrósio Richshoffer, em anotações ao seu Diário, relata que a demolição dos edifícios de Olinda teve início no dia 17, “transportando-se mais tarde para o Recife todo o material aproveitável”.
A 24 nossa gente que ali se achava retirou-se para a aldeia Povo ou Recife, destruindo antes tudo o que foi possível e pondo fogo à cidade em diversos pontos. Esta resolução foi motivada pelo fato de ser a cidade toda montanhosa e desigualmente edificada, sendo difícil de fortificar e exigir uma forte guarnição, que podíamos empregar melhor aqui e em outros pontos. (²)
Olinda – Frans Post
Segundo depoimento de Duarte de Albuquerque Coelho, em Olinda “residiam 2.500 vizinhos, possuindo quatro conventos religiosos, sendo um de São Bento, outro dos recoletos de São Francisco, o terceiro do Carmo, e um colégio dos Jesuítas; havia mais duas paróquias, uma casa de Misericórdia e a da Conceição de recolhidas, além das Ermidas. O que não pode referir-se, sem grande e devido sentimento, é que também deixaram nas chamas todas estas igrejas e conventos, e as Santas Imagens”. (³)
Em Olinda a paisagem e costumes foram assim descritos pelo Frei Manuel Calado, “tudo eram delícias e não parecia esta terra senão um retrato do terreal paraíso” (O Valeroso Lucideno).
Mas a segurança para Waerdenburch e demais chefes holandeses falava mais alto, daí fixar-se no Recife e na ilha de Antônio Vaz que “são lugares próprios para, com oportunidade, fundar-se uma cidade” e “penso que ninguém que da Holanda vier para aqui quererá ir morar em Olinda” (Adolph van Els), sendo proibidas quaisquer construções no perímetro urbano da antiga capital.
Observa José Antônio Gonsalves de Mello que “uma população enorme, calculada em mais 7.000 pessoas, teve de se comprimir no Recife e em Antônio Vaz [área hoje ocupada pelos bairros do Recife e de Santo Antônio]. Aí as casas eram em número insuficiente e muitos dos armazéns tinham sido incendiados”.
Ao contrário do que muitos podem pensar, foi o açúcar, e não a esperança de descobrimento de minas, o motivo principal da invasão, conforme bem demonstrou José Antônio Gonsalves de Mello. (4)
– Açúcar, no dizer do padre Antônio Vieira, passou a ser sinônimo de Brasil.
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1) DUSSEN, Adriaen van der. Relatório sobre as capitanias conquistadas no Brasil pelos holandeses (1639): suas condições econômicas e sociais. Rio de Janeiro: Instituto do Açúcar e do Álcool, 1947. 168 p. Tradução, introdução e notas de J. A. Gonsalves de Mello.
2) RICHSHOFFER, Ambrósio. Diário de um soldado da Companhia das Índias Ocidentais 1629-1632. Tradução de Alfredo de Carvalho. Apresentação de Leonardo Dantas Silva. Prefácio de Ricardo José Costa Pinto. Recife: SEC, Departamento de Cultura, 1981. 210 p. il. (Coleção pernambucana; 1ª fase, v. 11 a). Fac-símile da. ed. Recife: Typographia a vapor de Laemmert & Comp., 1897.
3) COELHO, Duarte de Albuquerque. Memórias diárias da guerra do Brasil 1630-1638. Apresentação de Leonardo Dantas Silva; Prefácio de José Antônio Gonsalves de Mello. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1981. 398 p. il. (Coleção Recife; v. 12). Inclui mapas de Manoel Bandeira e índice onomástico.
4) MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos. 2.ed. p. 130.