Medalhômetro:quais as chances de medalha do Brasil na Olimpíada
“Omotenashi é uma cultura profundamente enraizada, que vem do sado (cerimônia do chá). Significa cuidar dos hóspedes com todo o coração. O termo é um microcosmo do próprio país, representando a mentalidade japonesa de hospitalidade centrada no cuidado e não na expectativa de receber algo em troca”, define o site da organização oficial do turismo japonês. Ao contrário de outras cidades-sede, que precisaram se transformar às pressas para sediar as Olimpíadas, Tóquio já parecia pronta para exibir a medalha de ouro na arte de receber. Só não esperava uma pandemia. Nesses estranhos Jogos com estádios vazios, as câmeras certamente transmitirão a beleza do esporte, mas a alma da metrópole anfitriã — uma capital ao mesmo tempo gigante e marcante por suas miudezas — não tem como ser inteiramente captada.
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A preparação para os Jogos, uma das principais bandeiras do então primeiro-ministro Shinzo Abe, contou com forte apoio popular. Abe queria mostrar ao mundo, e principalmente à rival China, o “Japão da Recuperação”, uma alusão ao devastador desastre triplo de 2011: terremoto, tsunami e acidente nuclear. Uma década depois, o planeta luta contra um vírus mutante, e Fukushima soa como um drama distante. O governo japonês apostou que um ano de adiamento seria suficiente para ver o coronavírus controlado, mas não investiu na vacinação como outras nações desenvolvidas (menos de 30% dos japoneses receberam a primeira dose). Agora rema contra a impopularidade dos Jogos, a desconfiança de patrocinadores e o avanço da contaminação. Os atletas e os visitantes que terão sua circulação rigidamente monitorada vão encontrar dificuldades para experimentar o espírito do omotenashi em meio a desafios sem precedentes mesmo para uma nação acostumada à superação.
Problemas como sistema precário de transporte público, criminalidade ou sujeira nas ruas não atormentam os moradores de Tóquio, mas omotenashi é mais que organização. Está além dos serviços que todo mundo espera. Quem já teve o privilégio de viajar pelo Japão sabe que a riqueza de sua hospitalidade incomparável está nos detalhes. Pode ser tanto num hotel cinco estrelas quanto num restaurante minúsculo num beco tortuoso ao lado de uma estação barulhenta de trem. Oferecer os melhores produtos e atendimento possíveis é uma questão de dever, entranhado no DNA japonês, e isso não depende do valor da conta.
Numa loja, o vendedor não vai apenas levar a sacola para o consumidor até a porta. Vai se despedir com uma reverência. Esse gesto pode durar até o cliente dobrar a primeira esquina e desaparecer na multidão, cena comum em restaurantes pequenos, onde os donos fazem de tudo. Nas hospedarias tradicionais, os ryokans, a deferência aos visitantes começa com o chá servido de forma tradicional e se encerra com a despedida dos funcionários na rua, faça chuva ou faça sol. Se estiver nevando, eles estarão enfileirados em seus quimonos do mesmo jeito, curvados para dizer adeus.
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Há muitos outros exemplos dessa ideia de que o cliente não é somente rei. Talvez seja deus. Estrangeiros demoram para entender que não é necessário abrir a porta de um táxi. O motorista, de luvas brancas, fará isso automaticamente. Um morango — não é uma caixa, é a unidade mesmo — pode ser embrulhado em papel de seda. Frutas são presentes muito valorizados numa terra que entende o quanto a natureza pode ser instável. Pequenos acidentes, como um café derramado num terno durante o jantar, vão ter final feliz: a peça será lavada e passada de forma inexplicável à velocidade da luz. O tal terno, agora limpíssimo, será devolvido antes do jantar terminar com um pedido de desculpas comovente.
O trem-bala — um dos símbolos da tecnologia japonesa, inaugurado para a Olimpíada de 1964 — nunca atrasa. No máximo alguns segundos. Se entrar na casa dos minutos é sinal de que há algo muito errado, provavelmente uma tragédia. É fascinante ver a coreografia cronometrada da equipe responsável pela limpeza dos shinkansen. Quando o trem chega à estação, os funcionários fazem uma reverência discreta e esperam a saída dos passageiros. Percorrem então os vagões, varrendo, esfregando, recolhendo o lixo e acertando o pino das bandejas dos assentos, que precisam estar retos, claro. Tudo isso em menos de dez minutos para não atrasar a próxima partida.
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São gestos emocionantes e silenciosos que acontecem de forma discreta, sem exageros, hipnotizando quem se propõe a entender a sociedade japonesa aos poucos e respeitosamente. Nem quando a tsunami deixou um rastro de 20 mil mortos e uma região tomada pela radiação, o país parou. E é assim que o Japão vai conquistando quem passa por lá. Além de tudo que já nos tirou, a pandemia também impedirá a imersão numa cidade tão hi-tech quanto tradicional. É uma pena. Essa mistura de eficiência e delicadeza deixa marcas definitivas.