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Carismática e dona de excelente técnica, Bia Ferreira mostra confiança para o combate final |
Tóquio — A centenária história do boxe na Olimpíada é marcada por reviravoltas, grandes estrelas e predomínio dos Estados Unidos e de Cuba. Na Europa, Grã-Bretanha, Itália e a extinta União Soviética conquistaram dezenas de medalhas desde que a modalidade passou a fazer parte do programa olímpico, nos Jogos de 1904, em Saint Louis. Só não houve disputa em 1912 (Estocolmo), já que a lei sueca proibia a prática da modalidade. Aos poucos, com o passar das décadas, as tradições são revistas, e novos protagonistas surgem. É o caso do Brasil. Em Tóquio, o país emplacou três medalhistas — e dois deles podem pintar o prêmio de dourado nos últimos dias de competição.
Os baianos Hebert Conceição (na categoria até 75kg) e Beatriz Ferreira (até 60kg) disputam finais neste fim de semana. Na madrugada deste sábado, ele encara o ucraniano Oleksandr Khyzhniak, a partir das 2h45. “A cada luta, vamos ganhando mais confiança, o que faz toda a diferença. Seja o evento que for, sempre entro mais travado e, conforme vai passando o tempo, vou ganhando mais confiança. E estou muito seguro para fazer um bom trabalho na final e trazer mais uma medalha de ouro”, disse o brasileiro.
No domingo, às 2h, soa o gongo para a decisão feminina de Bia contra a irlandesa Anne Kellie Harrington. “É degrau por degrau. Fui alimentando isso, estudando as adversárias e hoje estou feliz aqui, mas ainda não acabou. Queria muito essa luta. Participamos de alguns campeonatos, mas, infelizmente, não chegamos a lutar. Ela é campeã mundial, tem todo o meu respeito e estou bem ansiosa para esse espetáculo. Espero sair com a vitória e mandar essa medalha para o meu pai”, declarou a brasileira, atual campeã do mundo.
Os dois combates decisivos terão como palco a Kokugikan Arena, templo do sumô japonês e uma das instalações mais tradicionais desta edição dos Jogos Olímpicos. A outra medalha brasileira na modalidade foi conquistada pelo paulista Abner Teixeira, que caiu na semifinal da categoria até 91kg e levou o bronze.
As projeções da equipe olímpica da Confederação Brasileira de Boxe (CBBoxe) não previam um sucesso tão grande nos Jogos de Tóquio. “Se alcançarmos uma medalha no masculino e uma no feminino, cumprimos o prognóstico”, disse, antes das quartas de final de Bia e Hebert, o técnico Mateus Alves. E a meta foi batida com os três pódios conquistados no Japão.
Este é o melhor desempenho brasileiro na história do boxe olímpico. Antes das medalhas de Tóquio, o país havia conquistado cinco — uma de ouro, uma de prata e três de bronze. A primeira foi de Servílio de Oliveira, terceiro colocado do peso mosca (até 51kg) na Cidade do México, no longínquo 1968 — mais de 60 anos depois da estreia da modalidade nos Jogos.
Depois dele, surgiram nomes importantes no boxe brasileiro. O maior deles foi Acelino “Popó” Freitas, que conquistou quatro vezes o título mundial e se tornou uma das estrelas do esporte nacional. O baiano de Salvador, porém, nunca disputou a Olimpíada. Segundo ele, isso se deveu à falta de valorização dos pugilistas brasileiros.
“Eu ganhei a prata no Pan de Mar del Plata, em 1995, e fazia 17 anos que o Brasil não ganhava uma medalha. Mas eu voltei a dormir na mesma casa, a passar a mesma dificuldade, a passar fome. Essa medalha não me deu dinheiro, essa medalha não me deu patrocínio, essa medalha não me deu nada. Aí, eu pensei em virar profissional. O Evander Holyfield estava lutando na Bahia e me convidaram para fazer as preliminares. Eu ganhava R$ 400 por luta e dava para ajudar a minha casa, dava para comer”, desabafou, em 2020, numa entrevista à Band.
Dificuldade
Popó, porém, deixou um legado — construído com o auxílio de Luís Cláudio. Pelas portas que os irmãos Freitas reabriram, passaram importantes boxeadores da história olímpica brasileira. Depois de 44 anos, o país voltou a conquistar uma medalha na modalidade. Nos Jogos de Londres, em 2012, Yamaguchi Falcão, Esquiva Falcão e Adriana Araújo subiram ao pódio. A medalha dela foi bastante significativa, afinal, foi vencida na primeira edição dos Jogos em que a modalidade foi disputada também por mulheres.
O primeiro ouro veio com Robson Conceição, no Rio de Janeiro, em 2016. Nascido em Salvador, ele retomou a tradição do boxe da Bahia, celeiro de talentos para a modalidade. Na capital, nasceram Hebert e Bia, esperanças do Brasil para melhorar no quadro geral de medalhas no Japão. Com dois ouros, o país poderia, a depender do desempenho das outras delegações, saltar da 16ª para a 12ª colocação — que seria a melhor posição do país na história. O recorde atual foi registrado com o 13º lugar de cinco anos atrás.