Jordina, minha mãe
Me contaram que cheguei berrando, feito um cabrito desmamado. E, o que era eu, naquele 30 de abril de 1943, senão um cabrito (ou um menino) desmamado?
Era, me disseram um dia, um fim de tarde e nos secos galhos do ipê, um vem-vem anunciava com seu cântico mavioso, a min há chegada.
No horizonte avermelhado que começava a ficar cinzento, o sol terminava o seu recolhimento cedendo espaço à lugubridade. O catre materno pouco iluminado tinha o perfume apenas do pavio de algodão da lamparina, que, seco pela falta de querosene, começava soltar o cheiro característico de queimado. A escuridão era quase total.
O pai ausente, trabalhava para trazer e repartir o pão. Raimunda gritava aos quatro ventos para João Buretama, o avô:
– É um menino, João!
Uma tesoura quase enferrujada (fervida desde cedo) cortou o cordão. Sobre um jirau arrumado no catre, pousava uma bacia d´água fervida para o primeiro banho. Ainda envolto numa toalha branca, a oferta do primeiro seio para a primeira mamada.
Lembro bem que, tão logo aprendi andar com minhas próprias pernas e forças, primeiro me dirigi para o chiqueiro das cabras. Lá enchi a barriga de leite – muito diferente do leite materno, mas um dos responsáveis por eu ter chegado aonde cheguei.
A escola, sempre muito cobrado; cinco anos de Primário (incluindo o Exame de Admissão); quatro anos de Ginasial e mais três de Científico. Dois vestibulares ao mesmo tempo para universidades públicas, e, duas aprovações. Ninguém era aprovado com nota inferior a 5 em qualquer matéria.
O serviço à Pátria; as namoradas; o primeiro emprego na The Western Telegraph Co. Ltd.; a entrega à política ideológica dos anos 60; o sindicalista; o Árbitro de Futebol Profissional; a mudança para o Rio de Janeiro.
O emprego inicial e o enfrentar a vida desconhecida numa cidade famosa e exigente; mais três vestibulares e mais três aprovações; a escolha pela Comunicação Social (deixando de lado Direito e Economia) – Jornalismo.
As novas namoradas; o primeiro casamento e as duas primeiras filhas; a separação e o desquite; novas namoradas e o segundo casamento; mais três filhos. Uma nova vida, novos amigos, novos hábitos e novos objetivos.
Chego hoje aos 74 anos (30 de abril de 1943 – Queimadas, Pacajus/CE), lúcido, tr4ilhando o caminho que os pais ensinaram de forma tão forte a poder enfrentar confrontos com valores de outra época – sem titubear e sem ceder espaço para qualquer cosia que, um dia possa me envergonhar. Ou aos que convivem comigo.
Obrigado Mãe e Pai. Obrigado pelos castigos, pelos limites, pela direção correta apontada e pelas benditas surras que, se fossem hoje, alguns idiotas estariam lhes perturbando.
Eu faria e enfrentaria tudo de novo se possível e necessário fosse – mas tenho consciência que o dia da volta está chegando.
EM TEMPO: meu primeiro presente (recebido da minha também santa Avó), foi uma enxada. Com ela aprendi a valorizar a Terra e o que ela é capaz de fazer por nós (tudo); depois, ainda nos tempos escolares, madeira e serra tico-tico para fabricar meus próprios brinquedos.
Tenho consciência que esses tempos jamais voltarão. Um simples olhar paterno era mais constrangedor que uma surra ou uma semana de castigo. Hoje os filhos (com o reforço e apoio dos conselhos Tutelares), desobedecem os pais e por muito pouco não lhes impõem castigos.