OBEDIÊNCIA
Humberto de Campos
Mal saída do colégio, para onde entrara ainda criança, isto é, desde que o pai, o Comendador Anacleto, enviuvara, foi a encantadora Maria Lúcia residir no palacete recentemente alugado pelo velho capitalista em uma das ruas menos movimentadas de Botafogo. Deslumbrada com a liberdade conquistada à força de estudo, de uma aplicação que lhe granjeara o primeiro lugar na sua turma, apenas uma coisa a desgostou: foi a recomendação que lhe fez o pai, severo e prudente:
— Olha, minha filha; esta casa é tua; governa-a como se fosses a dona. Uma coisa, apenas, eu te peço: vive isolada, sem relações de amizade, e nunca, em hipótese alguma, incomodes os vizinhos.
E beijando-lhe a testa clara, coroada por uns lindos cabelos castanhos:
— Muito juizinho; ouviu?
Duas semanas não se tinham passado sobre a libertação de Maria Lúcia, quando uma quadrilha de ladrões, vendo, uma tarde, sair as criadas, que a jovem patroa indultara naquele dia, resolveu assaltar, pulando o muro dos fundos, o palacete do Comendador. Descalços, em mangas de camisa, chapéu em cima dos olhos, os miseráveis penetraram na casa e, desrespeitando a fraqueza da moça, praticaram toda a sorte de depredações, esvaziando as gavetas, arrombando os cofres de joias, carregando, enfim, com todas as coisas de valor que havia na residência do honrado capitalista.
À noite, ao abrir a porta, de regresso ao lar, o Comendador teve um pressentimento triste, ao ver a casa às escuras. Abertas, porém, as lâmpadas, recuou, horrorizado, para, em seguida, precipitar-se, de compartimento em compartimento, chamando, aflito, pela menina:
— Maria Lúcia? Maria Lúcia? Onde estás, minha filha?
No último quarto da casa, esperava-o uma surpresa maior: sentada no leito, desgrenhada pálida, com as vestes em desalinho, Maria Lúcia chorava, com a cabeça nas mãos.
— Minha filha da minh'alma! — gemeu o velho, atirando-se para ela. — Que foi isso?
— Os ladrões!... — explicou a moça, num gemido.
E enxugando os olhos;
— Levaram tudo: as roupas, as joias, a louça, tudo, enfim. Depois...
— Depois?... — rugiu o velho, com os olhos esbugalhados.
— Desgraçaram-me!... — concluiu a moça, prorrompendo em soluços.
— Desgraçaram-te?... — gritou o velho, de dentes e punhos cerrados, com um rugido soturno, cavo, de fera atingida no coração.
E após um instante de silêncio desesperado:
— E como foi? Amarraram-te?
— Não, senhor.
— Subjugaram-te?
— Não, senhor.
— Taparam-te a boca?
— Não, senhor.
— E por que não gritaste? — berrou o ancião, parando, de súbito, no meio do quarto.
E a moça, levantando para ele, num soluço, os lindos olhos machucados de lágrimas:
— Papai não disse que eu não incomodasse os vizinhos?