O VENTO
Raimundo Floriano
LITERATURA DE CORDEL
ROMANCE SOBREOCORRÊNCIA NA BANCA DE REVISTAS E JORNAIS DA 215 SUL
A gente estava jogando
Dominó e conversando,
Todo mundo bem feliz,
Quando um vento podre e forte,
Desses com bafo da morte
Agrediu nosso nariz.
Sequinho, que é jornaleiro,
No grupo foi o primeiro
A dar o grito de alerta.
Disse: “Assim não fico ileso,
Soltaram quem estava preso,
Ficou a porteira aberta.”
Seu Francisco, cearense,
Disse assim: “Você nem pense
Que fui eu.” E não se entrega.
Disse mais: “Isso é castigo,
É veneno, é um perigo,
Se pegar no olho cega.”
Declarou seu Belarmino:
“Isso é coisa de menino.
Fique sabendo você:
Pra ir pro Show do Milhão,
Só como na refeição
Os produtos da Nestlé.”
Eu, Raimundo Floriano,
Mão de onça, pé de pano,
Falei a verdade pura:
“Vivo sempre na dieta,
O rango não me afeta,
Só como fruta e verdura.”
Reclamou o Severino,
Taxista nordestino:
“Assim minha vida atrasa.
Pra ser um bom companheiro
E não matar passageiro,
Só como o que é feito em casa.
Leonídia, a pacifista,
Disse para o taxista:
“Vá lá no bispo e se queixe.
Sou da paz e da beleza,
Amiga da natureza,
Em casa, só como peixe.”
Divina, moça educada,
Discreta e delicada,
E corretora do bicho,
Falou assim: “Tá danado,
Esse aí tá bem lascado,
Parece que comeu lixo.”
Alex, o ajudante,
Disse para um reclamante:
“Eu fico sem qualquer mágoa.
Na hora do acontecido,
Eu me achava protegido,
Estava entregando água.”
Bombeiro, coronel Puga
Exclamou: “Me ponho em fuga,
Tanto fedor me constipa.
Eu nunca corri do fogo,
Porém aqui neste jogo,
Tem mesmo é vento de tripa.”
Gélson, o homem do furo,
Disse: “eu não me aventuro
Pra passar decepção.
Se o assunto é minha boia,
Não sofro de paranoia,
Vou comer lá no Pirão.”
Reinaldo mostrou destreza
Pra fazer sua defesa
E do mano Rafael:
“Aqui é que a mula manca,
Só comemos nesta Banca
Enroladinho e pastel.”
O infante Ronaldinho,
Que é bem pequenininho
Pra já praticar besteira,
Disse assim: “Nessa eu tô fora,
Qualquer dia, qualquer hora,
Eu só tomo mamadeira.”
Waldir, vendedor de frutas,
Que detesta as coisas brutas,
Que só quer coisa bacana,
Disse: “Eu aqui levo gato,
Mas não ataco meu fato,
Me alimento com banana.”
Disse Frank, o motoboy:
“Essa catinga me dói,
Denuncia alguma tara.
Eu como boia escolhida,
Sadia e garantida,
Que minha mulher prepara.”
Seu Dedé, que vinha vindo
Na S-10, foi sentindo
Algo sufocar-lhe o peito.
Disse: “Rezem uma missa
Pra alma dessa carniça,
Que o corpo não tem mais jeito.”
Mestre Francisco Rufino
Disse assim: “O intestino
Desse cabra me irrita.
Como sou bem prevenido,
Evito o desconhecido,
E só como de marmita.”
A Lúcia da Gargalhada
Ficou tão apavorada,
Que saiu rindo e gritando:
“Esse pensa que fez vento.
Na verdade esse nojento
Tá mesmo é defecando.”
O Quinze, outro taxista,
Afirmou: “Está na vista
Que não fui eu quem ventou.
Com a educação que é minha,
Transporto Dona Dorinha
E ela nunca se queixou.”
Seu Bené, que é goiano,
Come pequi e tutano,
Macaxeira e jerimum,
Gritou: “Esse tá ferrado,
Com intestino arrombado,
Soprando com o bumbum.”
Seu Manoel, que é potiguar,
Começou a ofegar
E falou: “Soltou de novo?
Esse imundo está com a gota,
Está com a tripa rota,
Jogando fezes no povo.”
Seu Hélio, do Prodasen,
Disse “Aqui não fico bem,
Não aguento este repuxo.
Assim eu fico é careca.
Esse levado da breca
Tá ventando pelo bucho.”
O Alexandre, flamenguista,
Disse: “Esse tá na lista,
O fedor ninguém aguenta.
Até mais, eu vou-me embora.”
Saiu pelo mundo afora
Cuspindo e tapando a venta.
Seu Vicente ia passando,
Mas de longe farejando
Aquele fedor de rabo.
Disse assim: “Não se ofenda,
Prefiro ir pra fazenda
E amansar burro brabo.”
Quem fez bem foi seu Armando,
Que foi logo se mandando
Antes dessa agressão.
Hoje ele está bem folgado,
Comendo mandi assado
Em Caxias, Maranhão.
Eduardo, motoqueiro,
Ficou um tanto cabreiro,
E dele mesmo eu não maldo.
Disse assim: “Sou bem sabido.
De antemão advertido,
Eu só como ali no Caldo.”
Seu Lauro, que está enfermo,
Tomou o incidente a termo
E disse com emoção:
“Se voltar a acontecer,
Pego o que me pertencer
E volto pra Catalão.”
Seu Olavo, experiente,
Perguntou: “Quem foi o ente
Que o mau cheiro pressentiu?
Pois certo está o ditado,
O primeiro a dar o brado,
Bem dali é que saiu.”
Ronaldo, dono da Banca,
Foi olhando para a anca
De um freguês que estava perto
E disse: “Esse tá matando,
Nas calças já tá obrando,
Disso sim eu estou certo.”
Mas o garoto Reinaldo,
Que é filho do Ronaldo,
Disse: “Eu sei de onde sai.
Conheço bem esse vento,
Do jeito que é fedorento,
Só pode ser do meu pai.”
Sentados à mesa, no sentido horário: Raimundo Floriano,
com seu chapéu de sertanejo, seu Belarmino, seu Francisco
e Ronaldo, dono da Banca, suspeito número um