O VELHO, A LEI N.º 10.741/03, O ATENDIMENTO NO SETOR PÚBLICO E O GORDINHO DO POSTO IPIRANGA
O ancião Amadeu, já passando dos oitenta e lavai o trem descarrilhado, procurou a Secretaria de Finanças de determinado município do Estado de Pernambuco, localizado no litoral norte da Região Metropolitana do Recife, distante 18 quilômetros da capital do estado, para solicitar a transferência da titularidade do IPTU de um apartamento que lhe pertence de direito, mas não de fato há mais de dez anos.
Munido de uma cópia da procuração pública e da escritura de compra e venda do apartamento feito no Tabelionato de Notas do Município para provar que já havia vendido o imóvel a um promissário comprador, dirigiu-se ao balcão de informação da Secretaria de Finanças e lá lhe deram uma ficha de prioridade e pediram para aguardar na fila que já passava de quinhentos velhos à sua frente para serem atendidos sobre transferência, atraso, titularidade e parcelamento de IPTU.
Sentado na cadeira, Seu Amadeu começou a perceber que a fila dos idosos não “andava”, mas a dos normais o painel vermelho à sua frente chamava direto! Mal os normais chegavam e já eram chamados e atendidos sem delonga! Vez por outra é que o encarregado do setor chamava um velhinho que já estava esperando ser atendido há décadas! “Ficha 24!” “Guichê dos idosos ou qualquer um disponível!”
Inconformado com aquele descaso, desrespeito, violação à lei federal, Seu Amadeu se levantou de onde estava e se dirigiu até o balcão de atendimento e gentilmente perguntou ao atendente por que a fila dos idosos não “andava”. O atendente o ouviu, pediu licença e foi consultar o “encarregado do setor”. Quando retornou, chamou Seu Amadeu e, na frente da pessoa que estava atendendo, respondeu:
– O “chefe do setor” informa que desconhece essa lei federal a que o senhor se refere que dá preferência a velhos! Ele mandou perguntar se o senhor não está inventando essa lei do idoso para passar as pernas nos outros velhos. Segundo ele, todos os municípios da Região funcionam assim para o público, não é agora que vai mudar! Lei de prioridade para velhos é esperar! Ele mandou dizer que, se o senhor tiver se sentindo incomodado, desrespeitado nos seus direitos, procure o gordinho do POSTO IPIRANGA que ele irá lhe informar melhor. Segundo ele, “o melhor que o senhor tem a fazer é se sentar e ficar aguardando sua vez de ser chamado que ele não pode fazer nada!” E voltou a atender o normal que estava na vez do velhinho.
Passado mais de três horas de espera, o encarregado chama o número do Seu Amadeu que se levanta com dificuldade e se dirige até o balcão de atendimento. Trôpego, devido à idade, mãos e pés tremendo, lentamente Seu Amadeu vai tirando da pasta a procuração pública e o contrato de compra e venda do apartamento e entrega tudo ao atendente, pedindo para ele verificar no sistema se o IPTU daquele apartamento ainda se encontra cadastrado no nome dele. Caso o promissário comprador não tenha feito ainda que o atendente faça agora porque lhe chegou à residência cobrança da Secretaria de Finanças da Prefeitura informando que ele, Seu Amadeu, estava em atraso desde dois mil e doze e que o nome dele iria ser executado, inscrito no Cadastro de Maus Pagadores do Município, SPC, SERASA, CADIN, sem contar que a Prefeitura Municipal iria publicitar o nome dele e de outros inadimplentes em “outdoor”, amparado numa lei municipal aprovada pelos vereadores à unanimidade na calada da noite, sobre o sugestivo título de Lei dos Caloteiros de IPTU e Impostos Afins!
Mexendo para cá, mexendo para lá no monitor e reclamando da lentidão, depois de muitos cliques e porradas nas teclas, o atendente imprime várias cópias do IPTU em atrasos e entrega ao ancião, avisando:
– Senhor, realmente, tem muitos anos de IPTU em atraso na inscrição desse apartamento e ainda está no nome do senhor! Agora, aqui a gente não muda não! A única coisa que a gente faz aqui é lhe fornecer o BIC (Boletim de Inscrição Cadastral). Daqui o senhor se dirige até o setor de Cartografia da Secretaria de Finanças. É lá que eles fazem a transferência de titularidade e, consultando o relógio, alerta:
– Mas é melhor o senhor vir outro dia porque já é meio dia e meia da tarde e, antes desse horário, eles encerram o expediente!
Antes de se levantar da cadeira para agradecer o atendente que compreendia não ter culpa naquela zona na Secretaria de Finanças – o descaso vem lá de cima! -, Seu Amadeu, em voz baixa, pergunta:
– Meu filho, eu sei que não é culpa sua, mas me responda uma coisa: por que nessa secretaria tem mais gente para atender do que para ser atendida? É funcionários atropelando funcionários com todo mundo fingindo que trabalha?
Não gostando da observação irônica feita pelo ancião, o atendente lhe pede licença e vai perguntar ao “encarregado”. Quando retorna lhe responde com as palavras ipsis litteris ditas pelo “chefe do setor:”
– O “Homem” mandou dizer para o senhor que o sistema sempre funcionou assim desde que Cabral pisou aqui. Tudo isso sempre foi cabide de empregos dos apadrinhados do prefeito eleito.
É o chamado toma lá! Dá cá! E se o senhor tiver se sentindo incomodado, procure o gordinho do POSTO IPIRANGA para reclamar!…