Clepsidra ou relógio do tempo
O grande poeta Olavo Bilac (1865-1918) escreveu este belo soneto, inspirado nesse tema, que pertence a toda a poesia e que está em todas as línguas:
“TODA HORA FERE E A DERRADEIRA MATA”
Vão-se os dias, semanas, meses, anos
E ao findar na terra a fugaz visita,
Temendo o êxodo, nossa alma hesita,
Deixar o palco dos seus desenganos.
É o tempo senhor dos nossos planos
E a última vez que um coração palpita,
Um relógio invisível a hora grita,
No necrológio triste dos insanos.
Inexoravelmente se consuma
A breve história da vida aqui na terra,
Pela percepção de quem a capta.
Como a onda do mar por entre a bruma,
Ergue-se altiva e depois se encerra,
“Toda hora fere e a derradeira mata”.
O tempo é inexorável. É o senhor dos nossos planos. Não para, nem espera por ninguém. E os sonhos ficam sempre inacabados, como uma sinfonia. Quando o tempo diz que é hora, os planos ficam no ar.
Há um antigo provérbio latino, inscrito em antigos relógios de sol, que se refere ao tempo, às horas e à nossa passagem pela vida, que diz:
“Todas ferem e a última mata”.
O provérbio pretende alertar-nos para o efeito que o tempo tem sobre nós. Todas as horas que vivemos, bem ou mal, deixam as suas marcas. Temos, portanto, que vivê-las o melhor possível, para que a sua marca não seja uma ferida fatal, e para que possamos atrasar a última hora.
Não é, pois, de se estranhar que este provérbio apareça, essencialmente, nos relógios, símbolos da passagem do tempo.
Há uma antiga lenda, que conta a história de um jovem frade, que, certa manhã, saiu do seu convento, atraído pelo cântico de um rouxinol e se embrenhou pela floresta. Deslumbrado com tanta beleza ali encontrada, distanciou-se cada vez mais, floresta a dentro, envolvido pela magia da diversidade de pássaros e seus cânticos maravilhosos.
Embevecido com a beleza que estava diante dos seus olhos, o jovem frade se esqueceu do tempo que passava ao seu redor e das pessoas que aguardavam a sua volta. Quando despertou desse enlevo, perdeu a noção de quantas horas permanecera ali, encantado com o cântico dos pássaros.
Apressou-se em voltar ao Convento, mas, em ali chegando, notou que estava tudo diferente. O jovem porteiro havia se transformado em um velho frade, de cabelos brancos e enorme barba.
Não só o irmão porteiro havia envelhecido, como também todos os frades que ainda restavam no Convento. Estavam todos de cabelos brancos e alguns já haviam morrido.
Muitos anos se tinham passado, e entre o recém-chegado moço e o eremitério velho, acontecera o hiato de Deus, a eternidade. Nada tinha mais sentido para o jovem frade.
Essa realidade é sempre esquecida e o tempo é desperdiçado e gasto com brigas, violência e desamor.
A legenda dourada do tempo, que diz que ele está passando, é sempre ignorada, e esquecida pela volúpia com que se deixa que se escoem as horas, estas horas que passam nos ferindo, uma a uma, até o minuto fatal.
A hora atual nos parece mais vertiginosa e à medida em que envelhecemos, contamo-la por minutos, como as pulsações do coração.
Há homens que se deixam, também, atrair pela música dos pássaros levianos. Caminham, dentro da floresta, de clareira em clareira, esquecidos das horas.
A clepsidra (relógio de água, um dos primeiros sistemas criados pela humanidade para medir o tempo) se esgota, a velhice chega, mas o engano persiste até o momento em que se deparam com o velho muro da morada esquecida, onde se retratam as dores e as decepções.
O milagre não aconteceu. O irmão de cabelos brancos que os espera à porta do Convento é a própria figura do destino, que não abandona aqueles a quem marca e a quem dirige com sua mão vigilante.