O SOVINA
Humberto de Campos
Funcionário modesto, ganhando apenas setecentos mil réis por mês, o operoso oficial de Fazenda Emiliano Praxedes não podia, ou não queria, dar à mulher, jamais, um vestido de passeio, mesmo de baixo preço. Casado há um ano, a esposa ignorava em absoluto as suas despesas, a cifra dos seus orçamentos, sabendo, entretanto, que os dispêndios eram grandes, fortes, elevados, porque ele nunca entrava em casa com dinheiro.
Cansada de esperar pela generosidade espontânea do esposo, D. Lídia chegou-se, um dia, para ele, e, agradando-o, amimando-o, acariciando-o, pediu, passando-lhe a mão pelos cabelos:
— Praxedes, quando é que tu me dás um vestido novo? Tu nunca me deste nada...
Apanhado de surpresa, o funcionário prometeu:
— Breve. Isso depende apenas de ti. Dá-me um filhinho, um anjo para o nosso lar, que eu te darei um vestido! Está combinado?
— Está combinado! — concordou a moça, batendo palmas de contente.
No fim de nove meses, dado o beijo no seu primeiro pimpolho, que piscava no leito os olhinhos desconfiados, partia Emiliano Praxedes para a rua, de onde voltava horas depois com um embrulho, que entregou à esposa.
— Pronto! exclamou. — O prometido é devido!
Desapontada embora com a sovinice do marido, a pobre senhora não se revoltou, não protestou, não disse nada. Calcou o seu ressentimento no fundo da alma, escondeu a sua mágoa no coração, e, sem que o esposo lhe tivesse feito outra promessa, deu-lhe, ao fim de mais um ano, um outro filho. Terminado o período de resguardo, tomou um bonde para a cidade, e, à tarde, ao entrar em casa, vinha arrebatadora: vestido de seda, chapéu de plumas, sapato de cetim, pele de raposa, colar de pérolas, enfim, um deslumbramento!
— Que é isso, Lídia? Que escândalo é esse? — exclamou, boquiaberto, pondo-se de pé, o Praxedes, que já se achava em casa, à mesa de jantar.
E madame, desafiadora:
— Você pensa, então, que todos são miseráveis como você?
E entrou na alcova, tirando as luvas.